João Bosco Botelho
As fontes históricas das práticas médicas no
Egito antigo são compostas por documentos de diferentes naturezas, reveladores
de como os egípcios, pelos menos os ricos e próximos do poder político, em
determinados períodos, se relacionavam com a saúde e a doença, a vida e a morte.
Os papiros contendo registros médicos estão
entre os mais importantes:
– Papiro Ebers: o nome corresponde ao primeiro
comprador, George Ebers, que o adquiriu, em 1872, de um desconhecido egípcio.
Os registros são possivelmente fruto de muitos autores, em torno de 1550 a.C.,
durante o reinado de Amenophis I. Alguns especialistas acreditam que é a cópia
de outro papiro mais antigo, um conjunto de textos contendo 875 receitas, nem
sempre inter-relacionados, com 20 metros de cumprimento, em perfeito estado de
conservação, que se encontra na universidade de Leipzig, na Alemanha. É de
incomensurável valor histórico, por conter importantes diagnósticos e
prescrições específicas para as doenças do coração, como o quadro clínico do
infarto do miocárdio: “Se examinares um homem que sofre do estômago, que se
queixa de dores no braço e no peito, mais precisamente na parte lateral...
Diz-se então que se trata da doença wid... Deves dizer: é a morte que se aproxima
dele”. As outras receitas orientam sobre função intestinal, digestão, dores
reumáticas, paralisia dos membros, estados gripais, doenças pulmonares, olhos,
ouvido, estômago e fígado, obstruções intestinais, mordeduras de animais, queimaduras,
cuidados com a pele e o cabelo, dentes e a língua.
– Papiro Smith: encontrado numa tumba em Tebes
e comprado por Edwin Smith, em 1862, um jovem egiptólogo americano. Apesar de
ter sido escrito, em torno de 1540 a 1600 a.C., na XVIII dinastia, do mesmo
modo que o anterior parece ser compilação de documentos mais antigos, do Antigo
Império. Trata-se de muito bem ordenado conjunto de informações de anatomia e doenças
cirúrgicas, dedicada ao diagnóstico, tratamento e prognóstico dos traumatismos,
que incluem os traumas faciais, pescoço, clavícula, úmero, esterno, tórax,
costelas, ombro, coluna lombar.
Esse papiro contém trinta e cinco tratamentos com
incrível atualidade, como o da fratura bilateral da clavícula: “Se você estiver
examinando um homem com fratura hsb em ambas as clavículas, encontrando ambas
as clavículas, uma mais curta e em posição que difere em relação à segunda,
então você tem que dizer: trata-se de uma fratura em ambas as clavículas, uma
enfermidade de que eu cuido. Você deve deitá-lo então de costas, dobrando algum
objeto para colocá-lo entre suas omoplatas. Depois deverá afastar as omoplatas
para que as duas clavículas se estiquem, de modo que aquela fratura hsb retorne
ao lugar certo”
– Papiro Berlin: escrito em 1540 a.C., na XVIII
dinastia, contém prescrições em forma de encantamentos para proteger as mães e
seus filhos;
– Papiro Londres: descreve ritos mágicos para
curar as doenças dos olhos e das mulheres;
– Papiro Kahoun: é o mais antigo dos
papiros. Escrito em torno de 2.000 a. C., abrangendo as doenças ginecológicas e
obstétricas;
– Papiro Cheaster Beatty: data da XIX
dinastia, em torno de 1.300 a.C., descreve as doenças e os tratamentos das
doenças do ânus.
O
conjunto dos papiros médicos do Egito antigo demonstra o quanto a medicina
estava presente e buscando solução para as doenças mais comuns. Realmente, é
impressionante a precisão dos diagnósticos e existência de médicos que
construíam saberes também como instrumento do aprendizado.