João Bosco Botelho
“Os gregos que parecem ter sido os primeiros a
fazer da Medicina a profissão mais ilustre e completa, escreveram na
conformidade deste conceito que fora Apolo o inventor dela, o que não deixa de
ter aparente razão. Eles entendiam Apolo como o Sol (com o seu calor benigno e
temperado, vivificador das plantas e do homem) ou como o homem possuidor de um
espírito divino e melhor que todos os demais do seu tempo. Apolo também foi o
primeiro que ensinou e praticou o uso das ervas, como Ovídio deu a entender na
sua obra Metamorfoses”. Esse trecho do livro Ouvres Completes, de Ambroise Paré (1510-1590), o mais famoso
cirurgião-barbeiro de todos os tempos e um dos responsáveis pela incorporação
da cirurgia como especialidade na Medicina, mostra como a mitologia grega
influenciou a prática médica no Ocidente durante mais de vinte séculos.
As relações da Medicina com a compreensão
mítica da realidade se perderam no tempo. É impossível separar as idéias
míticas do entendimento do homem sobre a saúde e a doença.
Das primitivas relações do homem com o animal,
posteriormente substituídas pelas relações com a terra, surgiu empiricamente o
uso das plantas na busca da saúde. A utilização do vegetal, indispensável à sobrevivência
do homem, se processou em complexa compreensão mítica, que foi marcada pelas
explicações que se sucederam nos milênios da origem primeira e do destino final
do ser humano. Elas evoluíram da epopéia de Gilgamesh,
dos babilônios, à teoria do Big Bang,
dos modernos astrofísicos, passando pela gênese judaico-cristã e pela Yebá beló da lenda desana da criação do
Sol.
Apesar da melhor compreensão que temos hoje das
metamorfoses do pensamento mítico, a dificuldade de interpretação aumenta na
proporção que recuamos no tempo. Entretanto, parece ser a partir do século 6
a.C., na Grécia, que chegou o material historiográfico suficiente para traçar,
com alguma segurança, um perfil da Medicina da mitologia.
É provável que o acervo cultural e médico dos
povos mesopotâmicos e dos vales do Indo e do Nilo tenham influenciado a
formação do universo médico-mítico grego. Os registros históricos que se ocupam
da Medicina na mitologia grega são, provavelmente, o produto das complexas
relações do homem que antecedeu a formação do pensamento grego. É possível
estabelecer paralelismo entre muitos aspectos das relações médico-míticas das
civilizações babilônica, egípcia e indiana com as da Grécia dos cinco primeiros
séculos antes de Cristo.
De acordo com a mitologia grega, a Medicina
começou com Apolo, filho da união de Zeus com Leto. Inicialmente, Apolo foi
considerado como o deus protetor dos guerreiros, posteriormente, foi
identificado como Aplous ou aquele
que fala a verdade. Ele agia purificando a alma, por meio das lavagens e
aspersões, e o corpo, com remédios curativos. Era considerado o deus que lavava
e libertava o mal.
Um dos filhos de Apolo, Asclépio, recebeu
educação do centauro Quirão para ser médico. A escolha do centauro mítico para dirigir a
educação de Asclépio se consolidou porque ele dominava o completo conhecimento
da música, magia, adivinhações, astronomia e da Medicina. O centauro, além
destas habilidades, tinha incomparável destreza, manejava com a mesma habilidade
o bisturi e a lira.
O
centauro Quirão, além de ter educado Asclépio na Medicina, também orientou
Jasão na arte de vencer os mais incríveis obstáculos, e Dionísio, o deus da vegetação
e do vinho, conhecedor dos mistérios da religião, do êxtase e da embriaguez.