Última Vontade
Millôr Fernandes (1923-2012)
Enterrem meu corpo em
qualquer lugar.
Que não seja, porém, um
cemitério.
De preferência, mata;
Na Gávea, na Tijuca, em
Jacarepaguá.
Na tumba, em letras
fundas,
Que o tempo não destrua,
Meu nome gravado claramente.
De modo que, um dia,
Um casal desgarrado
Em busca de sossego
Ou de saciedade
solitária,
Me descubra entre folhas,
Detritos vegetais,
Cheiros de bichos mortos
(Como eu).
E, como uma longa árvore
desgalhada
Levantou um pouco a laje
do meu túmulo
Com a raiz poderosa,
Haja a vaga impressão
De que não estou na
morada.
Não sairei, prometo.
Estarei fenecendo
normalmente
Em meu canteiro final.
E o casal repetirá meu
nome,
Sem saber quem eu fui,
E se irá embora,
Preso à angústia infinita
Do ser e do não ser.
Ficarei entre ratos,
lagartos,
Sol e chuva ocasionais,
Estes sim, imortais.
Até que um dia, de mim
caia a semente
De onde há de brotar a
flor
Que eu peço que se chame
Papáverum Millôr.