O Solo dos
utensílios
(em doze
acordes cifrados)
Anibal Beça
(1946-2009)
Para o poeta
Zemaria Pinto
No raso chão
do convívio
as coisas da
casa cosem
na costura
dos minutos
um figurino
ordenado.
Talhado traço
exclusivo
para os olhos
de quem veste
as coisas
ganham lugar
no corpo de
quem as usa.
No espaço
entronizadas
regidas na
duração
de seda comum
do tempo
sela de um
baio ordinário.
Há coisas que
se cavalgam
sem as rédeas
do comando
outras há de
trote breve
encilhadas no
seu trato.
As mais
simples entre tantas
entretanto
são tamanhas
na grandeza
utilitária
servis ao seu
mandatário.
Serviçais mas
não escravas
pois têm
vontade liberta
há dias nos
seus recatos
regados de
teimosia.
E se negam às
tarefas
contrariando
a mesmice
de repetir
dia a dia
a previsão
das agendas.
É esse o dia
da caça:
a água quente
que esfria
o barbear
postergado
no ferrolho
da desdita.
Mas há que
reconhecer
dentre
aquelas mais fiéis
as do amparo
solitário
no voo das
confidências.
Aquelas que
escutam penas
acolchoando a
memória
e que nunca
recriminam
nossos
pecados diários.
As que servem
à magia
como aquela
escrivaninha
repouso de
muitos versos
emplumando
garças brancas.
Quem tem os
olhos de ver
as mais
simples e ordinárias
ganham mimo
especial
nesse afago
de palavras.