Amigos do Fingidor

segunda-feira, 6 de abril de 2020

Home office



Zemaria Pinto


Quando apresentei a proposta de home office no sindicato, há uns 3 anos, fui motivo de chacota. Agora estamos todos em estado de chacota. A rotina não tem sido diferente da rotina presencial na fábrica. O pessoal da produção está em casa sem ter o que fazer, mas, como sou administrativo, continuo o ramerrame de despachos, via web. Tenho uma reunião diária, por teleconferência. Comitê de Crise Coronavírus. CCC. Essa sigla é de matar. No dia a dia da fábrica, as reuniões são trimestrais, apenas para apreciação dos indicadores de qualidade – tudo fake, mas o pessoal da matriz gosta deles, é o que importa. Na reunião de hoje, um elemento propôs a adoção do isolamento vertical. Ao ser questionado sobre que merda é essa, o sujeito respondeu com a singeleza dos idiotas “é a proposta do nosso presidente”. Nosso é o cacete, porra, parti pra cima do babaca, pena que ele não estivesse ao meu alcance. A reunião do CCC acabou antes da hora.
Da minha janela, no segundo andar, eu vejo a rua, o açougue, a padaria e o movimento de gente, carros e motos – quase nenhum. Uso o home office como justificativa para me isolar dentro de casa. Afinal faço parte do grupo de risco – o grupo que pode morrer para que a economia se reerga. Minha mulher, respeita o “expediente”. Meus netos não aparecem há três semanas. De noitinha, desço para caminhar na área do cortiço, que uns pedantes chamam de condomínio. Outras pessoas caminham e não respondem aos meus boas noites. Fodam-se. Essa porra só transmite com toques, não com gentileza. O escroto que quer o isolamento vertical do grupo de risco sabe que isso dará a ele um genocídio pra chamar de seu. Como ele não dispõe de judeus, negros ou índios, vai matar os velhos do país. Mas quem se importa? Desde que a bolsa esteja em alta e o dólar em baixa, todo sacrifício é pouco. Pátria amada, pátria minha, patriazinha – que nojo eu tenho de ti!