Carta Lunar – Adágio
XX
Luiz Bacellar (1928-2012)
O meu verso é um fragor:
desmoronar-
me sinto quando escrevo.
E o ruído é tanto
que vou com passo incerto
no meu canto
como se caminhasse à
beira-mar
num dia de ressaca sob um
luar
como o de agora (a Via
Láctea é um manto
salpicado de sal, de
prata e pranto)
em que as horas se
esquecem de passar.
Meu verso é um natural
correr de pena
que rasga, que destrói,
mutila e mata
minhalma que é de espuma
e de verbena:
é um vestido deixado
sobre a cama,
vazio de um corpo amado.
E me arrebata
no vácuo intenso do meu
próprio drama.