Amigos do Fingidor

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

A poesia é necessária?

         Cuia

Simão Pessoa

(poema feito a partir de um quadro

do artista plástico Turenko Beça)

 

De longe como Matisse

Que a desnudando vestisse

Ela revela a natureza

Que a esconde por inteiro

 

E a esconde por inteiro

Do olho que a devassa:

O vão desdobrado em quilha

Recoberto por limalha

 

De luz é sua textura

Que ao toque se adivinha

Como as bordas da pupila

Refletindo água-marinha.

 

Tem a aparência furtiva

De uma fruta adocicada

Daquela que nos convida

Na a comer – a olhá-la.

 

De luminosos cristais

Sua curvatura se veste:

O gosto de qualquer fruta

Nela é as dobras da pele.

 

É fruta de carne e osso

Silêncio sonho e medula.

É fruta de mil desejos

Na língua mais que na gula.

 

É uma paisagem de dunas

Com casulos emborcados.

É uma ópera intestina

De conchas no alagado.

 

É uma onda sem mistério

Tirando arestas da areia.

É uma maçã que mordida

O baixo ventre incendeia.

 

É o ovo da serpente

Como que moldado em pedra.

É a cúpula do teatro

Na sua forma geodésica.

 

No mais não é uma cuia

Arquitetada por Gaudí.

É uma cuia, mas nativa

De tacacá e açaí.

 

Que uma bunda não é nunca

O silêncio de uma tela:

É uma vontade profunda

De se perder dentro dela.