Amigos do Fingidor

quinta-feira, 2 de setembro de 2021

A poesia é necessária?

 O busto de Voltaire ou O neoliberalismo é fascista

Zemaria Pinto

 

o original talvez fosse de mármore

ou bronze

ou ferro

sobre a mesa, o gesso branco

barato

roto

desbotado

moldado aos milhares

vagabundo e solitário

 

a falsa cabeleira, a calva oculta

os olhos baços, o nariz adunco

o lábio em linha, a boca de improváveis dentes

e o queixo penso ao peito, peso da corcova

representação da velhice

símbolo de uma era morta

metáfora da decadência

alegoria da ruína

 

mas

o busto pensa e, mais que isso, luta

um mundo sem ameias, nem peias verdades

a dúvida como dogma

as vísceras como dívida

a liberdade, uma dádiva

a igualdade, um anelo

contra a opressão um libelo

 

meus olhos pousam na podre estrutura

buscando o cerne além do simulacro

e um turbilhão de ideias me avassala:

nunca um pequeno busto foi tão belo!

 

Amazonas, vazante de 2019

 

Voltaire (1694-1778).
Busto de autor desconhecido.