Soneto autobiográfico III
L. Ruas (1931-2000)
A égua caminhava a passos largos
Por entre a lama espessa, mal cheirosa,
A égua que nasceu de barro e sopro,
Pesada e, ao mesmo tempo, vaporosa.
A égua percorreu todo o passado:
É lenda, é mito, é sombra luminosa;
Galopa semeando vida e morte,
É frágil como a flor e belicosa.
Tem alma muito embora no seu ventre
Aninhe fauna imunda e tenebrosa
De serpes e batráquios peçonhentos.
A égua chega sempre. Chora, às vezes.
Às vezes, come fezes. Eu a vi
Comendo, em céu de estrelas, uma rosa.