Amigos do Fingidor

quinta-feira, 19 de maio de 2022

A poesia é necessária?

 

O cacto

Manuel Bandeira (1886-1968)

 


Aquele cacto lembrava os gestos desesperados da estatuária:

Laocoonte constrangido pelas serpentes,

Ugolino e os filhos esfaimados.

Evocava também o seco Nordeste, carnaubais, catingas...

Era enorme, mesmo para esta terra de feracidades excepcionais.

 

Um dia um tufão furibundo abateu-o pela raiz.

O cacto tombou atravessado na rua,

Quebrou os beirais do casario fronteiro,

Impediu o trânsito de bondes, automóveis, carroças,

Arrebentou os cabos elétricos e durante vinte e quatro horas privou a cidade de iluminação e energia:

 

– Era belo, áspero, intratável.