Amigos do Fingidor

quinta-feira, 14 de julho de 2022

A poesia é necessária?

 

O primeiro degrau

Konstantinos Kaváfis (1863-1933)

 

Foi a Teócrito queixar-se um dia

Eumene, poeta ainda jovem:

“Faz dois anos que escrevo e até agora

compus apenas um idílio.

Esse, o meu único trabalho pronto.

Pobre de mim! Pelo que vejo, é alta,

deveras alta, a escada da Poesia.

Estou no primeiro degrau: jamais,

infeliz que sou, chegarei ao topo.”

“Essas palavras”, respondeu Teócrito,

“são um despropósito, blasfêmias.

Se estás no primeiro degrau, cumpria

te sentires feliz e envaidecido.

Chegar onde chegaste não é pouco,

nem é pequena glória o que fizeste.

Do primeiro degrau da mesma escada

está bem distante o comum das pessoas.

Para pisar esse degrau de ingresso,

necessário é que sejas, por direito,

cidadão da cidade das ideias –

um título difícil: raramente

fazem-se ali naturalizações.

De quantos na sua ágora legislam,

aventureiro algum pode zombar.

Chegar onde chegaste não é pouco,

nem é pequena glória o que fizeste.”

 

(Trad. José Paulo Paes)