Amigos do Fingidor

quinta-feira, 28 de julho de 2022

A poesia é necessária?

 

Não há vagas

Ferreira Gullar (1930-2016)

 

O preço do feijão

não cabe no poema. O preço

do arroz

não cabe no poema.

Não cabem no poema o gás

luz o telefone

a sonegação

do leite

da carne

do açúcar

do pão

 

O funcionário público

não cabe no poema

com seu salário de fome

sua vida fechada

em arquivos.

Como não cabe no poema

o operário

que esmerila seu dia de aço

e carvão

nas oficinas escuras

 

– porque o poema, senhores,

está fechado:

“não há vagas”

Só cabe no poema

o homem sem estômago

a mulher de nuvens

a fruta sem preço

 

O poema, senhores,

não fede

nem cheira