Zemaria Pinto
Ficha biobibliográfica
Autor: Moacir Andrade
Nome completo: Moacir Couto
de Andrade
Naturalidade: Manaus – AM
Nascimento: 17 de março de
1927
Falecimento: 17 de julho de 2016
Obra poética:
·
Portais (2006)
ESPERA
Moacir Andrade (1927-2016)
Como rosas de ouro debruçadas
sob esta noite – musgos ressequidos
mora minh’alma que sonha contigo
fundida em sóis e tardes cismarentos.
Chegaste agora musa do meu canto
gregoriano canto de alvoradas
oh cofres de oferendas encantadas
pousando nos meus olhos como brumas.
És meu vaticínio predizendo
que o meu por ti será atado
como plectro aos sons gerando
estrelas
num bailado de cores encantadas
lívido estou, agora, neste instante,
navegando meu sonho como astros
montado neste azul do meu tormento
galopando meus versos do infinito.
Tu és amor, a chama que me aquece
sons de flauta, de liras irreais
ninando este abandono olor da morte
que me esmaga de dor, de angústia e
pranto.
Notável artista plástico,
Moacir Andrade jamais deixou de escrever poemas, uma atividade paralela, embora
bissexta, usando a nomenclatura de Manuel Bandeira para os poetas eventuais.
Talvez por ser produzida esparsamente, a poesia de Moacir Andrade não guarda um
“programa”, uma unidade: são registros momentâneos, “dores de cotovelo”,
homenagens a amigos, reflexos de momentos particulares. Em conversa pessoal, o
próprio pintor confidenciou-me que sua arte está toda em seus quadros, sendo a
poesia uma espécie de passatempo, um hobby
ocasional. Entretanto, como não poderia deixar de ser, há um forte colorido nas
imagens que o poeta cria, como se as quisesse levar para um quadro, embora não
prevaleçam sobre o abstrato que domina a sua poesia, feita mais de sentimentos
e menos de matéria concreta.
O poema “Espera” faz
parte de uma coletânea reunindo vários autores, o que dificulta sua análise
comparativa com poemas de um determinado grupo, dentro da obra do autor. De
qualquer forma vamos observar o poema em si mesmo, seus aspectos técnicos e sua
inserção histórica no grupo que fez poesia dentro do Clube da Madrugada.
O poema divide-se em
quatro estrofes, mas talvez a intenção inicial do autor tenha sido dividi-lo em
cinco, ocorrendo na terceira um erro de impressão, o que não altera em nada a
essência do texto. Os versos, na sua maioria, são decassílabos, com dois
eneassílabos (o nono e o décimo primeiro) e um octossílabo (o décimo), o que
parece ser outra falha, especialmente em relação a este último, onde há um
truncamento da ideia que se quer passar. Porque estou a contar sílabas se o
poeta pode optar pelo verso livre dessas amarras tolas? É que o poema, pela
forma como se estrutura, física e mentalmente, pede simetria de estrofação e de
métrica, do contrário não consegue atingir o ideal romântico que está em seu
cerne. É um caso de forma imbricada ao conteúdo, necessariamente. Vejamos a
primeira estrofe.
Os símbolos positivos
transformam-se em negativos, num movimento brusco, depressivo: “rosas de ouro”
se transformam em “musgos ressequidos”; “noite”, em “sóis e tardes
cismarentos”; estes abrigam a alma do eu lírico que sonha com a amada
impossível. Na segunda estrofe, a chegada da “musa” é saudada com um
“gregoriano canto de alvoradas / oh cofres de oferendas encantadas”. Curioso é
que esse canto coral é o canto do poeta, individual, e que este pouse em seus “olhos
como brumas”, outro símbolo negativo, pois embaça a visão. Em outras palavras,
a chegada da musa transtorna o eu lírico, impedindo-o de ver a realidade.
A terceira e alongada
estrofe começa com uma tautologia: “és meu vaticínio predizendo”. O verso seguinte,
embora pareça truncado, tem uma leitura simples: “que o meu destino ao teu será
atado”. Os versos consequentes “como plectro aos sons gerando estrelas / num
bailado de cores encantadas” são ilustrativos, sem relação direta com o
discurso poético, mas buscando um efeito plástico, a partir das imagens que
produz. A sequência enfatiza a ideia de solidão atormentada, estabelecendo uma
relação inusitada entre “navegando” e a combinação montado/galopando.
A última estrofe fecha a
ideia clássica do poeta romântico que só encontra a paz na morte – o mal do
século. Século 19. A “chama que me aquece” não é a presença física, mas apenas
a idealizada, que o faz ouvir “sons de flauta, de liras irreais”, e trazem
também o “olor da morte”. Neste ponto, o que parecia dúbio se esclarece: a
amada só existe em sonhos e na imaginação do poeta: está morta. Analisemos o
último verso do poema, um heroico perfeito: “que me esmaga de dor, de angústia
e pranto”. É a presença espectral da amada que o esmaga, que o atormenta. A “espera”
a que o título de refere não é pela chegada da mulher amada, mas sim pela
viagem final do poeta ao encontro dela.
Essa vertente ultrarromântica
– no Brasil, a chamada “segunda geração romântica”, de Álvares de Azevedo,
Casimiro de Abreu e Fagundes Varela – tem certas características que hoje podem
soar estranhas, como essa fidelidade extrema diante da morte. Mesmo antes do
Romantismo, e até depois dele, era comum essa idealização da vida, optando o
poeta por viver como uma personagem de si mesmo. Daí morrerem cedo, acometidos
da imensa tristeza de viver. Além da tuberculose, claro, que, aos olhos de
hoje, era mera consequência dessa prostração. Os poetas que chegavam à
maturidade, entretanto, eram aqueles que separavam vida e poesia – e levavam
suas vidinhas medianas longe das musas, chegando-se a elas somente quando
convocados – pelo estro, que pressiona e impulsiona, ou pela necessidade
financeira, o que é, por si, justificável.
A poesia de Moacir Andrade, a tomar como parâmetro o texto “Espera”, distancia-se da excelência dos poetas não pintores do Clube da Madrugada. Volto novamente às lições de Manuel Bandeira, ao escrever na sua autobiografia intelectual, Itinerário de Pasárgada, que – parceiro de Jaime Ovalle e Villa-Lobos, entre outros – ao colocar letra em uma melodia, ele só pensava no efeito musical, jamais na poesia. Moacir Andrade, como um bom vate, acertou em cheio ao elaborar a letra que iria harmonizar com a boa música que Mauri Mrq faria para ela.