Zemaria Pinto
Toda cidade é uma musa. E como tal,
inalcançável. Apenas sonhada.
De mãos dadas com Elliot,
sigamos então, tu e eu,
enquanto Manaus se estende sob o céu
como um paciente anestesiado sobre a mesa. (*)
A Manaus real está em coma desde o
dia em que a descobri na plenitude de sua miséria:
a cidade, com seus círculos vorazes
de granizo e fogo e gelo e sangue e serpes:
a cidade-precipício e suas sendas,
suas sombras, seus pudores, seus pecados. (**)
A cidade-musa não é física. Fictícia,
ela vomita sua sintaxe indefinida, arrastando-se pelas ruas apodrecidas de suas
tristes entranhas.
Ah, maninha, o que sinto por ti é
o horror o horror o horror o horror o horror o horror o horror
(*) Fragmento do poema “A canção de amor de J. Sebastião”, de Zemaria Pinto.
(**) Fragmento do poema “exercício n.° 14”, de Zemaria Pinto.
(In: Musica para surdos. Valer: Manaus, 2001.)