Amigos do Fingidor

terça-feira, 7 de setembro de 2010

O estranho caso da Vila da Barra – 15

Marco Adolfs


– O melhor a fazer é não levantar nenhuma suspeita dos políticos da cidade, ansiosos por uma confusão nova – disse o senhor Lourenço e eu concordei.

Carregados de enormes sacos com mantimentos e apetrechos variados, entre armas, vasilhas e barris, partimos silenciosamente, envolvidos pela escuridão. A embarcação que nos fora alugada deveria ter vinte e cinco pés de comprimento por nove de largura. Toda ela comportava uma extensa cobertura feita com folhas de palmeira, entrelaçadas e amarradas firmemente, por tiras de cipó. A forma final dessa cobertura era uma estrutura abaulada num semiarco perfeito. Eu, o senhor Lourenço, o índio seu serviçal e mais dois índios nos instalamos no interior escuro daquele imenso barco, enquanto os outros dois índios contratados encarregavam-se de remar. Navegamos um tempo considerável em meio a uma escuridão de meter medo e com um frio que parecia nos querer congelar os ossos. Estávamos em um mutismo comum, o que aumentava ainda mais toda nossa preocupação em torno daquele objetivo um tanto insólito em que nos metíamos.

Quando amanheceu, o senhor Lourenço resolveu quebrar o silêncio e começou a esclarecer-me sobre aspectos variados da flora e da fauna daquela região inóspita e ao mesmo tempo fascinante. Explicou também sobre a altura das águas “que já haviam inundado uma boa parte das terras, mas que agora pareciam estar baixando”. Para mim, aquilo tudo era maravilhoso. Depois de remarmos mais ou menos umas sete horas, atingimos as águas amarelas do Solimões. A luz do sol estava radiante e inúmeras ilhas de plantas flutuavam ao sabor da corrente. Como a tarde já caía firme, resolvemos atingir a margem e acampar para o almoço. Os índios haviam pescado uns peixes enormes e foi o que assamos e comemos, ali mesmo. Durante o almoço, o senhor Lourenço resolveu que só prosseguiríamos viagem no outro dia pela manhã. Mal terminamos nosso apetitoso almoço e a noite caiu com seu manto estrelado sobre nossas cabeças. Os índios acenderam uma enorme fogueira e ficaram a um canto conversando quase em surdina. Aquela noite cheia de estrelas e mosquitos parecia que ia ser longa.
No outro dia retomamos a expedição e, com o sol novamente bem acima de nossas cabeças, chegamos ao nosso destino. Ao vislumbrar a terra verifiquei que ficava numa das margens meridionais daquele Solimões bravio, a cerca de 90 milhas a montante da barra do Rio Negro.

(Continua na próxima terça-feira)