Amigos do Fingidor

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Arqueologia da doença: macro e microdimensão

João Bosco Botelho


A principal diferença entre a prática médica oficial (autorizada pelo Estado), a empírica (resultante do conhecimento historicamente acumulado) e a divina (estruturada na fé de que a matéria pode ser modificada pela ação divina) está assentada no fato de que a Medicina-oficial molda o diagnóstico, o prognóstico e o tratamento sobre propostas teóricas.

Esse conjunto histórico apresenta três momentos (ou cortes epistemológicos, na linguagem de Bachelard):

1º) A teoria dos Quatro Humores, elaborada na Escola Médica de Cós, na Grécia, no século IV a.C. A compreensão da morfologia da doença recebeu a dimensão do corpo. Nessa época, pela primeira vez, a doença passou a ser compreendida fora do domínio transcendente da divindade;

2º) No século XVII, quando a doença saiu do corpo para a microestrutura celular, pelos estudos de Marcelo Malpighi (1628‑1694), iniciando o pensamento micrológico. Os hospitais dos países subdesenvolvidos, mesmo realizando transplantes, continuam executando muitíssimo mais a Medicina de Malpighi do século XVII;

3º) No século XIX, a genética do frade agostiniano Gregor Mendel (1822‑1844) impulsionou a passagem da célula para a molécula e inaugurou a mentalidade molecular. O fruto final deverá ser a completa compreensão dos genes, não só a simples identificação gênica do projeto Genoma. Apesar da extraordinária importância, o projeto genoma só mapeou os genes, muito distante da futura compreensão de como eles funcionam inter-relacionados.

            Mesmo com os avanços da melhor compreensão da morfologia da doença, na macro e na microdimensão, obtidos em pouco mais de dois mil anos, o médico sofre no cotidiano incontáveis dúvidas. Sem poder empurrar os limites do sofrimento fora de controle e da morte prematura, notadamente, nos cânceres, incontáveis vezes não conseguem oferecer respostas satisfatórias.

            Essa é uma das grandes sagas da inteligência humana: continuar empurrando os limites da vida a partir do desvendar da arqueologia da doença!

            Por outro lado, no cerne das perguntas sem respostas, ainda existem as que interligam as três Medicinas: existiriam, realmente, pessoas com poderes excepcionais – dom – suficientes para curar pessoas, isto é, mudar a estrutura da matéria viva fora de todas as leis físicas que regem o universo?