Amigos do Fingidor

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Mar morto, de Jorge Amado, uma análise 10/14

Zemaria Pinto

Castigo – Se a morte de Esmeralda, tão esperada, pode ser considerada um alívio para Guma, a de Rufino o esmorece. Ele relembra, com melancolia, que quando jovem pensou em fazer carreira num navio grande e cair no mundo. Como seu amigo Chico Tristeza, que se tinha ido ainda menino e agora voltava, só de passagem, falando “línguas esquisitas” e contando histórias de outros cais. Lívia, perto de dar à luz, sonha para sua criança um futuro em terra firme. Ela não é do cais, somente Guma a faz ficar ali. E a cada viagem que ele faz o retorno é de sofrimento. E se um dia ele não voltar?

Não choveu. Não se acumularam nuvens no céu naquela noite. Dezembro era mês de festa na cidade e no cais. Mas a lua não apareceu, a cor cinza do céu não ficou azul com a chegada da noite. O vento escurecia tudo. Valia como a chuva, os raios, os trovões, fazia o papel de todos, aquela noite era dele só. Ninguém ouvia a canção que Jeremias cantava, o vento a dispersava. Os velhos marinheiros olhavam as velas que entravam. Vinham numa velocidade demasiada, era preciso ser bom mestre de saveiro para saber parar um barco no cais numa noite assim. E vários estavam no mar largo ainda, outros velejavam para a boca da barra, vinham do rio.
(“O ‘Valente’”)

Guma era um deles, não conseguira voltar a tempo. Lívia vê o saveiro de mestre Manuel apontar ao longe. Quando o saveiro atraca, ela percebe a inseparável Maria Clara curvada sobre corpo de Guma. O “Valente” fora destroçado ao encontro de uma coroa de pedras, mas Guma estava vivo. Vivo estava também o pequeno Frederico, que, com o susto de Lívia, resolve antecipar sua chegada ao mundo. Se o velho Francisco perdera numa noite de temporal o irmão e a mulher, Lívia ganhara, no gracejo da amiga Maria Clara, “um filho e um marido”.

Depois do acidente, Guma passa a considerar seriamente a ideia de abandonar a vida de marítimo. Sem o saveiro, teria que alugar sua força de trabalho, o que era humilhante para quem sempre fora independente. A lembrança do amigo Rufino não o abandonava. Todos aqueles acontecimentos eram tomados como castigo pela dupla traição. Dona Janaína não o queria mais para si, não iria levá-lo para as Terras do Sem Fim, por isso deixara que mestre Manuel e Maria Clara o salvassem, mas tirou-lhe o “Valente”, seu vínculo com o mar. O tio de Lívia oferece-lhe sociedade na quitanda. Por outro lado, o velho Francisco já andava negociando um outro saveiro, diretamente com o proprietário, João Caçula, que concordava em “financiar” metade do valor, em pagamentos mensais. A outra metade, lhe fora prometida por Dr. Rodrigo, e esta poderia ser paga somente após a quitação da primeira metade. Guma anima-se com o negócio, porque isso lhe possibilitaria entrar com algum capital no negócio da quitanda. Imagina que em seis meses teria pago o barco e mais seis meses eles poupariam para iniciar o novo negócio, a nova vida, longe do mar.

O novo saveiro, rebatizado como “Paquete Voador”, vive momentos de dificuldades no cais da Bahia. O ano previsto passou-se sem que Guma conseguisse pagar sequer o devido a João Caçula. Este, proprietário de outros barcos, também sentia os reflexos da crise e tinha dificuldades para pagar seus trabalhadores, daí pressionar Guma em busca de pagamento. Chega a propor a Guma a venda do barco, mas, naquele momento difícil, quem iria comprá-lo?

Ilustrações: capa de edição especial do Círculo do Livro; capa de edição israelense, de 1978.