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quinta-feira, 13 de junho de 2013

Corpo, saúde e doença na filosofia grega I


 

João Bosco Botelho

 

A Medicina apareceu com clareza na estrutura do pensamento grego, no final do século V e nos séculos IV e III a.C., de forma tão bem sedimentada que influenciou marcadamente os caminhos tomados pela Medicina ocidental nos vinte séculos seguintes.

O mais notável desenvolvimento da Medicina grega ocorreu após as guerras médicas (490-479). A partir dessa época, o médico aparece como intermediário na formação social e na edificação do pensamento coletivo, superando as suas funções específicas na busca da saúde.

Empédocles, médico e filósofo do século 5, utilizou a clepsidra para ilustrar a sua teoria da respiração, segundo a qual o corpo transpira através dos poros espalhados por toda a superfície da pele. A relação da Medicina com a filosofia grega está inserida nas concepções jônicas da natureza.

A influência jônica foi tão grande que toda a literatura médica dessa época que chegou até nós foi registrada em prosa jônica, apesar de ter sido escrita em Cós, ilha de população e língua dórica. Este fato só pode ser explicado pelo avanço da cultura e da ciência jônica naquele tempo.

A importância social do médico como agente na busca da saúde já era reconhecido desde Homero: “O médico vale por muitos homens”. Porém, a consolidação dessa posição foi alcançada a partir da busca da relação do corpo com a natureza, referida de diferentes modos por Platão (Prot. 313 D,Gorg. 450 A, 517 E, Rep.298 A e Timeu 78B), onde o médico é fixado em posição social definida.

Os vínculos da Medicina com a natureza, que os gregos tão bem assimilaram, atingia o social. Essa afirmação pode ser comprovada em Sólon, que descreveu a conexão das doenças com o todo social. Baseado nesse pressuposto, Sólon fundamentou parte do seu pensamento político afirmando que as crises políticas interferiram na qualidade da saúde coletiva.

Os elos entre o binômio saúde-doença com a natureza estão nitidamente presentes na introdução do livro Dos Ventos, Águas e Religiões, de autor desconhecido, do século V a.C.: “Quem quiser aprender bem a arte de médico deve proceder assim: em primeiro lugar deve ter presente as estações do ano e os seus efeitos, pois nem todas são iguais mas diferem radicalmente quanto a sua essência especifica e quanto as suas mudanças.”

O ponto fundamental da Medicina grega, dos séculos 5 e 4,  foi marcado pela união entre a filosofia jônica e o conceito de saúde e de doença. Começou, nessa época, a florescer a Escola de Cós, que congregou médicos e filósofos, sob a influência de Hipócrates, em quem Platão, no início do século IV, reconheceu a personificação da Medicina. Hipócrates foi realmente respeitado como símbolo de uma Medicina corretamente aplicada, como está claro nas conhecidas passagens de Platão (Prot.313 B-C e Fedro 270 C) e de Aristóteles (Pol. VII, 1326).

O aparecimento da literatura médica foi importante no desenvolvimento e aceitação da importância da Medicina nas relações sociais. A interpretação do papel social do médico também registrada por Platão (Leis, 857 D e 720 C–D), onde aborda a diferença da Medicina praticada nos escravos e nos homens livres. Platão faz a descrição de modo satírica de como os médicos dos escravos correm de um paciente para outro e dão instruções rápidas e sem falar com os doentes e os compara com os médicos dos homens livres.

O interesse pelo saber das matérias médicas, presentes no homem culto grego, pode ser compreendido na figura do jovem Eutidemo, que Xenofonte  descreveu como grande entendido da Medicina sem ser médico, e do historiador Tulcídides, que relatou com incrível minúcia o quadro médico social da peste que assolou Atenas entre os anos 430 e 427 a.C.

Aristóteles vai longe e chega a distinguir na sua obra Política I, II, 1282, o médico do homem culto em Medicina, estabelecendo o espaço que cada um pode ocupar nas suas funções especificas.

Dessa forma, pelo menos entre os cidadãos da polis, as práticas médicas foram inseridas no cotidiano público.