João Bosco Botelho
Hipócrates , segundo Sorano
de Éfeso, nasceu na ilha de Cós, em 460 a.C. Filho do médico Heráclides,
aprendeu os segredos da prática médica com o pai e nas viagens a Tessália, Trácia,
Líbia e Egito.
O sucesso da Escola de
Medicina de Cós, onde Hipócrates e seus seguidores estruturaram as bases da
Medicina grega, responsável pela primeira teoria para explicar a saúde e a doença
– a teoria dos Quatro Humores –, representa, sob a construção do filósofo
francês Gastón Bachelard, o primeiro corte epistemológico da Medicina. Nessa
fase, no século 4 a.C., práticas médicas iniciaram o processo de separação das
crenças e ideias religiosas. A cura deixou de ser um atributo exclusivo dos
deuses protetores ou vingadores para ser explicada pela Medicina, onde era
possível e preferível que o homem agisse sobre o outro homem doente, para lutar
contra as doenças.
Dessa forma, é possível
estabelecer quatro conceitos estruturantes na Medicina hipocrática:
– Conhecer o corpo humano e
o ambiente: só é possível entender a saúde e a doença se o homem for estudado
em conjunto com o ambiente onde vive;
– A doença seria consequência
de agressão ao equilíbrio do corpo: as causas e as consequências das doenças
devem ser entendidas em conjunto com as reações naturais do corpo frente à
agressão;
– A saúde seria obtida por
meio do equilíbrio entre os Quatro Humores (sangue, fleuma, bile amarela e bile
negra), que correspondem aos Quatro Elementos de Empédocles (água, terra, ar e
fogo).
As propostas terapêuticas,
também idealizadas em torno da teoria dos Quatro Humores, comportavam
orientações diferentes às doenças agudas e crônicas, e nasceram como consequência
natural dessa fiel organização do exame clínico. Ofereciam cinco vertentes que
poderiam ou não ser utilizadas simultaneamente:
– Regime alimentar: pleno de
regras na quantidade e qualidade dos alimentos;
– Fármacos: compreendiam
remédios tanto de origem mineral quanto de vegetais;
– Cirurgia: procedimentos
cirúrgicos foram descritos com muita precisão, entre outros: excisão de
tumores, abscessos, fístulas anais e hemorróidas.
– O reequilíbrio dos humores
seria obtido por meio das sangrias, vomitórios, cataplasmas, diurese forçada,
diarreia e sudorese.
Esses conceitos hipocráticos
que continham tanta coerência, especialmente o cuidado permanente com os
doentes, procurando sempre a cura, atravessaram como dogmas quase vinte séculos
e chegaram à Coroa portuguesa: durante os vinte e três dias de febre e
convulsão que antecederam a morte da Princesa Paula Mariana, filha do primeiro
imperador do Brasil, foi submetida à chupada de quarenta sanguessugas, onze
vesicatórios, oito cataplasmas e sete clisteres, prescritos pelos dez médicos
da corte, que se revezavam à cabeceira real.
É claro que os conceitos da
teoria dos Quatro Humores foram substituídos, mas mesmo com toda a tecnologia
que ampara as práticas médicas, no século 21, o conceito fundamental da
Medicina hipocrática – jamais submeter o doente a qualquer ato capaz de
provocar malefício – continua atual e indispensável para que os médicos exerçam
com dignidade e competência a Medicina.