João Bosco Botelho
A dificuldade para moldar o pensamento
coletivo, de acordo com a conveniência do poder, reside na impossibilidade de encontrar
duas estruturas biológicas exatamente iguais, incluindo duas pessoas que pensem
semelhantes. Sob essa barreira, as estruturas de poder se desdobram para
engendrar mecanismos sociais e políticos de convencimento, na maior parte das
vezes esmagando os limites éticos, sugerindo que são competentes para atenuar
as dores pessoais e, simultaneamente, aumentar o prazer. Nesse sentido, por
meio das linguagens de diferentes matizes, o poder que oferece pão e circo está
claramente inserido nesse pressuposto teórico.
Apesar dos avanços na genética e nas imagens
do corpo, continuam os entraves ao acesso do cérebro humano. Contudo, os casos
clínicos acidentais são capazes de levar aos grandes progressos. Um desses, na
Universidade Western, Ontário, refez conceitos em torno da consciência não
manifesta (ou aparente descompasso entre o comportamento manifesto e a memória)
com uma doente com dano cerebral por intoxicação de monóxido de carbono. Quando
ela se recuperou, era incapaz de identificar a xícara de chá, todavia os
movimentos para segurá-la e levá‑la à boca eram normais.
Esse tipo de comportamento alterado reforça a
existência de, pelo menos, duas formas diversas do reconhecimento visual: uma
dependente da percepção e a outra das funções motoras.
O outro relato significativo, identificado pelo
suíço Édouard
Claparède (1873-1940), um dos mais influentes da escola da psicologia funcionalista, descreveu a paciente portadora de distúrbio
para assimilar fatos recentes. Na consulta inicial, ao cumprimentar o
entrevistador, ela teve a mão levemente furada de modo intencional por um
alfinete. No dia seguinte, não reconheceu ninguém, porém se recusou a repetir o
gesto que provocou dor.
Esse fato sugere natureza física ao
conhecimento historicamente acumulado em torno do controle social girando em
pontos antagônicos: oferecer o prazer pela obediência e a dor como castigo à
indisciplina. Como chamamento, as linguagens laica e religiosa oferecem:
promessa de prolongar a vida, trabalho ameno, comida farta, maior liberdade sexual,
espaço sagrado (templo) ou profano (partido político, tribunal) para defender a
causa comum e julgar os resistentes, aumento da proteção individual e coletiva
e melhoria das situações temidas, causadoras de desconforto: a fome e o frio.
Algo muito poderoso se passou na intimidade
da memória acumulada na espécie humana. Apesar de ainda não ser possível ver as
ideias (elétrons também não são visíveis, mas existem), resta o êxtase do
quanto fascinam os homens e as mulheres alegorias simbólicas que ligam o
passado remoto ao presente vivido: prazer aos que obedecem e dor aos
desobedientes!
As linguagens religiosas e laicas
consolidaram nas mentalidades o processo pendular entre dor e prazer como marcos
do processo humano de sobrevivência pessoal e coletivo.
As linguagens divinas mais poderosas porque
convencem ser capazes de impor a dor tanto durante a vida quanto após a morte.
A dádiva e o castigo divinos não ficam restritos à vida; se prolongam na morte.
Dependendo da obediência, o renascimento será confortável ou aflitivo. As
linguagens laicas repetem sem cessar os anseios genéticos que possibilitaram a
sobrevivência humana: posse e controle do território para garantir o alimento,
em todas as variantes metafóricas, e maior liberdade sexual.