João
Bosco Botelho
Os
poderes laicos, em diferentes instâncias, ao longo de quatro mil anos, têm
adotado diversas atitudes frente ao aborto como método anticoncepcional. Por outro lado, tanto nos livros sagrados das
culturas politeístas, do primeiro milênio a.C., quanto no Antigo Testamento não
parece que a interrupção intencional da gravidez, salvo pelo risco de morte
materna, causasse tanta repulsa.
O
AT e o Novo Testamento, mesmo contendo referências específicas sobre a
organização familiar, não citam uma só vez de modo explícito qualquer tipo de
condenação ao aborto como método anticoncepcional. É como se o fato, que
incontestavelmente deveria ocorrer, não tivesse qualquer importância. A Bíblia
não condena nem aprova a interrupção da gravidez por meio do aborto provocado.
É
difícil aceitar que a ausência de citação no AT seria porque as sociedades judias
não conheciam essa forma de método anticoncepcional. É mencionada a pena do agressor
de mulher grávida, se a brutalidade resultasse em aborto. Contudo, o castigo
tem sentido indenizatório.
O
2º Livro de Samuel descreve o drama do rei Davi após engravidar a mulher do
general Urias. A gravidez próxima de ser descoberta pelo povo, que acreditava o
rei acima do pecado, o aborto não fora aventado. Como opção, o rei conquistador
determinou a morte do militar, na frente de combate, para que fosse possível casarem-se
sem macular as leis judaicas.
A mais antiga e clara referência cristã
antiabortiva está no Didaqué, manual
ético‑moral, escrito nos anos 100: "Não matarás criança por aborto, nem
criança já nascida".
O filósofo cristão Tertuliano (190‑197)
também adotou a posição antiabortiva absoluta: "É homicídio antecipar ou
impedir alguém de nascer. Pouco importa que se arranque a alma já nascida ou
que se faça desaparecer aquela que está ainda por nascer. É já um homem aquele
que virá".
São Jerônimo (331‑420), um dos quatro Doutores
da Igreja, na correspondência à Algásia, argumentou se antepondo à restrição
absoluta de Tertuliano: "Os sêmens se formam gradualmente no útero e não
se pode falar de homicídio antes que os elementos esparsos recebam a sua
aparência e seus membros". Contudo, em outra carta, o monge de Belém
considerou as mulheres que escondiam a infidelidade conjugal com o aborto como
culpadas de triplo crime: adultério, suicídio, assassinato dos filhos. Nesse
caso, parece que a restrição ao aborto como método anticoncepcional estaria
ligada à crítica à infidelidade.