João Bosco Botelho
Em alguns textos do período de Carlos
Magno, no século 9, alguns cavaleiros, os mais audazes e valentes frente ao
inimigo, relataram premonições da própria morte por meio de sinais de natureza sobrenaturais.
Aqueles que morriam no curso de epidemias, inesperadamente, como na peste, eram
considerados vítimas de morte fora do normal, da qual não era bom falar...
No
medievo europeu, esses cavaleiros supuseram premonições sobre a própria morte. Os
textos sobre o tema repetiam: “ele sabia que sua morte estava próxima...”. O
aviso era materializado por meio de acontecimentos não usuais ou, muitas vezes,
pelo simples convencimento da morte próxima. Quando a pessoa se convencia,
aguardava a morte deitado, junto à família. Essa atitude expectante da morte é
reconhecida em muitas esculturas sepulcrais, desde o século 12.
Nos
dois séculos seguintes, outro rito fúnebre foi introduzido: o moribundo se
lamentava das tristezas da vida, pedia perdão às pessoas próximas, recomendava
os amigos a Deus, sempre próximo ao sacerdote encarregado da extrema-unção. Sob
essa perspectiva, a morte constituía espécie de cerimônia pública, com livre
entrada no quarto do moribundo, reunindo parentes, amigos, vizinhos, crianças
de todas as idades. Não havia medo nem vergonha da morte inevitável. O número
de pessoas que desejavam ver o parente ou amigo próximo da morte era tão grande,
que os médicos, no final do século 16, se queixavam do inconveniente junto ao
leito do moribundo.
Esses
ritos da morte – boa morte – eram aceitos e cumpridos como parte da vida, sem
emoção excessiva. Assim, incontáveis pessoas, na Europa central, no medievo,
ricos e pobres, morreram junto aos parentes e amigos. Naquela época,
representava a morte familiar, a boa morte.
Com
o passar do tempo, os ritos modificaram para absorver o sentido dramático, de
dor, inconformidade, repulsa à morte. O ritual da boa morte, inevitável, sereno,
ao lado da família, amigos e vizinhos, foi sendo substituído por outro,
dramático, doloroso, causando sofrimento nos que assistiam.
Algumas
construções metafóricas tratando dessa fase interpretando a morte como satânica
são as “danças macabras”, no leste da França a na Alemanha. O horror da morte,
que desfigura a pessoa amada, reconhecido na feiura, na agressão à vida que
poderia ter continuado se não fosse ancorada na maldade diabólica. O cheiro
pútrido do corpo decomposto pela morte toma o sentido macabro. Esse sentido
repugnante, na segunda metade do século 20, deslocou a morte para o hospital. Tornou-se
proibida a morte ocorrer na casa, junto à família.