João Bosco Botelho
A
necessidade incontrolável de dar sentido à vida, diferente da dos outros
animais, e de minimizar a morte, expressa com transparência na História,
contribuiu para materializar, como opostos, a saúde e a doença. A primeira,
sinônimo de vida, ficou ligada ao bem, ao bom, ao belo; a segunda, ao mal, porque
sinaliza e antecipa a morte, sempre temida.
A pulsão inata para desvendar as formas
visíveis, em especial as do corpo, dotado com propriedades sensíveis de
comunicar-se e locomover-se, para fugir da dor e do desconforto, pode ser
considerada como a primeira verdade material. É verdadeira em si mesma, porque
dá forma ao viver, num movimento caleidoscópico, composto pela carnalidade da
pele quente, realidade dos sentidos, da respiração e do ritmo cardíaco. Atinge
e entrelaça o ser no mundo.
Quando a morte advém, como antítese da
vida, descolora a pele, resfriando-a e tornando-a insensível ao pior dos
tormentos: a dor. O movimento respiratório e o coração param. O corpo desfigurado
pelo rigor cadavérico enche de sentido a vida dos que choram. É quando o vivo
se apercebe da própria existência e rejeita a morte refletida no corpo
endurecido do outro, sem movimentos, na pele indolor e fria.
As
pessoas para reafirmarem as vidas humanas como fatos permanentes utilizam a
ficção, vivificam o corpo inanimado e prolongam a crença do renascimento, com
prêmio ou castigado, no após a morte, nos moldes da vida vivida.
É
a dialética fundamental entre a vida e a morte, atando com ligadura indissolúvel
o ser-tempo (homem vivo) ao ser-não-tempo (homem morto). Ambos são partes da
mesma realidade, por isso, essenciais. Contudo, somente um percebe o outro. Por
essa razão, é capaz de transfigurar, quando aprouver, o objeto perceptível
(ser-não-tempo), pensá-lo vivo, renascido, em outro lugar.
A
técnica humana, transformadora da natureza circundante, é o pilar sustentador
que aprimora e prolonga os sentidos, marcando a separação do ser-tempo (homem
vivo) do objeto (homem morto) dos outros animais. Os saberes historicamente
acumulados buscam na repulsa à morte as razões para viver com conforto, sem
frio, sem fome.
Os
atuais saberes ocidentais, em parte marcados pela influência cultural
greco-romana, uniram esse patrimônio, perdido nos confins enigmáticos do tempo
indivisível. A pólis, organizada à semelhança do corpo saudável, passou a ser
compreendida como um organismo vivo. Ao contrário, o caos social era sinônimo
de doença. O administrador competente era aquele que curava a sociedade
deficitária.
O poder de curar pessoas e sociedades e
adivinhar os infortúnios, evitando a enfermidade, para melhor organizar um
determinado grupo social, oferecendo a saúde e adiando a morte, tem sido
historicamente utilizado pelo poder político, como mecanismo de coesão e
controle sociais.
O sofrimento causado pela morte da
pessoa amada determina transtornos complexos incomensuráveis, em diferentes
níveis do corpo, trazendo sinais físicos de dores, variando em cada pessoa. O
pavor à morte, entendida como sensação de perigo iminente, interferindo na vida
dos que veem a morte do outro, provoca sofrimento. É lógico pressupor que as
atitudes específicas – como pensar na vida após a morte – minorando o
sofrimento frente à morte temida, tenham sido valorizadas e continuamente
aperfeiçoadas pelas linguagens-culturas pelo fato de ordenar a volta do
bem-estar.