Amigos do Fingidor

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Liturgia



Zemaria Pinto



Todos os dias era o mesmo ritual: ele chegava pouco antes das 8, guardava a mochila no armário, pegava três envelopes de chá, abria-os com cuidado, colocava-os no copo, deitava água quente sobre eles e sentava-se, esperando a infusão, enquanto ligava o desktop para dar início ao trabalho ordinário. Naquele dia, não: quando ele chegou já todos trabalhavam; pousou a mochila sobre a mesa, abriu-a, puxou de dentro um revólver e disparou na nuca da colega sentada à sua frente. Nos poucos segundos que se seguiram de pânico generalizado, ele sentou-se e disparou contra a têmpora direita, deixando-se cair sobre a mesa, como se apenas cochilasse – o que, aliás, era seu costume após o almoço.