João Bosco Botelho
Os registros apontam para a Grécia como o local onde
alguns filósofos distinguiram a opinião do conhecimento. Não bastava mais “achar”,
tornou-se importante acrescentar argumentos da ideia condutora do evento (República 509-d, 518-b, 532-b e 534-a).
Naquela ocasião, a genialidade de Platão sustentou a materialidade do espaço
profano, onde iriam florir os saberes para desvendar a origem do homem e das coisas.
Nessa conjunção, Políbio, genro e discípulo de
Hipócrates, descreveu a teoria dos Quatro Humores, a primeira explicação das
doenças fora das ideias religiosas.
O próximo avanço ocorreu no século 17, quando
se iniciou o pensamento micrológico: o mundo nas dimensões invisíveis aos olhos
desarmados, descrito por Marcelo Malpighi (1628-1694), ao usar as lentes de
aumento. Dessa forma, a nova compreensão da doença tornou-se dependente do
microscópio.
A microscopia dominou os meios acadêmicos.
Hoje, é o sustentáculo do ensino médico. Mesmo nos hospitais mais bem
equipados, os tratamentos dependem do diagnóstico microscópico: infecções e
tumores. Isto significa que a estrutura teórica dos saberes médicos, em pleno século
21, está inserida nos princípios teóricos fundados no século 17.
Ao mesmo tempo, a micrologia impôs a tecnologia
hospitalar: os aparelhos desvendam o que o médico não pode ver.
O passo seguinte ocorreu com os estudos do
frade agostiniano Gregor Mendel (1822-1884), abrindo as portas da Medicina à
dimensão molecular. Essa nova perspectiva no desvendar da doença dirigiu-se às
estruturas ainda menores do que a célula – a molécula.
Os hospitais dos países desenvolvidos já
utilizam, na rotina cotidiana, o diagnóstico molecular na prática médica. Com o
propósito de diagnosticar ou tratar as doenças, são analisadas as quantidades e
as qualidades de uma ou mais moléculas, especialmente, as do genoma.
Infelizmente, o alto custo e as dificuldades da
tecnologia hospitalar de sair da célula para a molécula restringem esse avanço
às ricas instituições de poucos países.
Como uma das consequências do diagnóstico molecular,
a clonagem estreitou, geneticamente, a multiplicidade das formas e das funções,
criando em laboratório dos seres idênticos, a partir de células retiradas de um
indivíduo adulto.
Mesmo sendo tecnicamente possível, a clonagem
de seres humanos é inconcebível. Não existem instrumentos nas linguagens orais
e escritas para preencher a repulsa contra o alucinado ensaio de eliminar a
principal característica do planeta: a multiplicidade.
Nos próximos séculos, as buscas para
compreender as doenças estarão ligadas às dimensões ainda menores, ao maior
domínio do binômio massa-energia que envolve os elétrons, os prótons, os nêutrons
e as partículas subatômicas, em última análise, sustentadores das formas e funções
dos seres vivos.
A Medicina na dimensão atômica deslocará e
substituirá os conceitos das dimensões celulares e moleculares e, talvez,
desvendará o paradoxo fundamental da prática médica: em qual dimensão da
matéria o normal se transforma em doença.
Todos almejam compreender as incontáveis questões
angustiantes que continuam sem resposta tanto no diagnóstico quanto no
tratamento:
– Como e por que aparece a primeira célula
cancerosa?
– Causas de certas doenças psiquiátricas;
– Explicação das doenças com ligação à defesa
imunológica: artrites reumatoides, ptiríases;
– Por que, pessoas convivendo com um tuberculoso,
somente algumas, e sempre de modos diferentes, manifestam a doença?