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quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Práticas médicas no Talmude



João Bosco Botelho

O Talmude é um livro sagrado dos judeus que trata dos registros rabínicos em torno da lei, da ética, dos costumes e da história do judaísmo. É composto de duas partes: a Mishná (200 d.C.), o primeiro compêndio escrito da Lei Oral; e o Guemará (500 d.C.), uma discussão da Mishná e dos escritos tanaíticos abordando outros tópicos, expostos no Tanakh.
O Mishná foi redigido pelos mestres chamados Tannaim ("tanaítas"), termo que deriva da palavra hebraica que significa "ensinar" ou "transmitir uma tradição". Os tanaítas viveram entre o século 1 e 3 d.C. A primeira codificação é do rabino Akiva (50-130); a segunda, do rabino Meir (entre 130 e 160 d.C.). As versões foram escritas no atual idioma aramaico, ainda em uso no interior da Síria.
No medievo europeu, especialmente, os médicos judeus não seguiam as interferências dogmáticas do cristianismo nas práticas médicas que proibiam o estudo da anatomia humana, qualquer tipo de manuseio do sangue, incluindo as cirurgias. Além do mais, as autoridades eclesiásticas trancavam, hermeticamente, nas bibliotecas dos conventos e abadias as publicações manuscritas greco-romanas. Para vencer essas barreiras, os médicos judeus traduziram livros médicos greco-romanos; em especial, os de Hipócrates e Galeno.
É possível que essas alternativas para superar o isolamento tenham sido precipitadas após a proibição do imperador Teodósio, em 438, proibindo os médicos judeus na administração pública.
Eram conhecidos os impressionantes saberes médicos do Talmude, plenos de recomendações aos cuidados da saúde individual e coletiva em nível curativo e profilático.
Entre as centenas de referências, existem três particularmente interessantes:
– Pagamento pelo serviço do médico: "Um médico que trabalha sem cobrar, não vale nada" (Baba cama 80a). Essa recomendação está ligada à tradição babilônica, que considerava o serviço médico fruto de atividade profissional, devendo ser remunerada de acordo com o grupo social do doente. Essa constatação está absolutamente clara no Código de Hammurabi, tendo esse avanço da Medicina como especialidade social sido absorvido pelos gregos e aperfeiçoado pelos romanos nos primeiros séculos. Acabou abandonado a partir da aceitação coletiva da prévia cristã de que o ato de curar estava incorporado na prática da caridade;
– Proibição dos médicos vindos de terras distantes atuarem sem o devido conhecimento das condições locais de vida: "Uma pessoa não deve permitir que seja tratada por médico proveniente de terras distantes, pois este não conhece suficientemente as características do melo ambiente e as influências do clima" (Baba cama 85a);
– Impõe cuidados com os remédios: "Não se deve fazer ensaio, com nenhum medicamento, nenhuma prescrição ou conjuro do Talmude, sem que se conheça o seu verdadeiro uso" (Yalcut).
O Talmude babilônico contém estudos de anatomia e fisiologia do esôfago, laringe, traqueia, pulmões, meninges, órgãos genitais, coração, fígado, baço, rins e intestinos. O sangue constitui o princípio vital e são reconhecidos 248 ossos.
Como os judeus, os outros povos, na antiguidade, habitavam territórios próximos dos lagos e rios piscosos com áreas alagadiças, as febres e as complicações hepáticas eram temidas. Outras doenças foram descritas, como a loucura, angina, asma e a hemofilia, identificada como doença hereditária. 
Os procedimentos cirúrgicos também estão citados no Talmude: a cirurgia da fístula anal, a redução das luxações e a cesariana.