Amigos do Fingidor

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Linguagem e luta pela vida


João Bosco Botelho

É possível teorizar que os ancestrais do homem afastaram as fronteiras da morte fazendo-se curadores e modificando as relações do binômio saúde-doença em outro membro da comunidade, por meio da linguagem e de ações específicas: parar a hemorragia após ferimento de caça e tratando as fraturas.
O Homo sapiens surgiu em torno de 40.000 anos e é razoável deduzir que possuía algum tipo de linguagem oral.
As pesquisas sobre a formação da linguagem nos nossos parentes mais próximos, os chimpanzés, e nos mais distantes, os gorilas, não foram muito esclarecedoras. É possível que os primeiros cheguem a entender algumas palavras ou mesmo frases, mas a estruturação do pensamento pela linguagem oral ficou aquém da expectativa.
Existem diferenças no tamanho e no formato dos cérebros dos ancestrais distantes e o do homem, perfeitamente perceptíveis pela impressão deixada pelo conteúdo cerebral da porção interna dos ossos dos crânios fossilizados.
O tamanho do cérebro dos hominídeos que viveram há 2,5 milhões de anos era, sem dúvida, menor que o do homem moderno. O Homo habilis, que viveu há um milhão de anos, tinha o cérebro duas vezes maior que os atuais chimpanzés, mas com o mesmo tamanho do corpo. Somente com a evolução, que culminou com o Homo erectus, há cerca de 500 mil anos, ocorreu o impulso definitivo no tamanho do cérebro.
O atual tamanho e função do sistema nervoso central já estavam definidos, provavelmente, nos últimos 100 mil anos.
      O registro arqueológico das ferramentas data de 2,5 milhões de anos. Evoluíram das rudimentares, de pedra e osso, aos machados de diferentes tipos, com elementos de simetria que permaneceram até 200 mil anos atrás, quando foram introduzidos novos componentes: lascas de pedras retiradas e manuseadas com detalhes, datando de aproximadamente 40 mil anos.
   É dessa época que datam as comprovações arqueológicas dos sepultamentos rituais com a cabeça do morto voltada ao nascente, acompanhado com alimentos e instrumentos de caça, pressupondo existir a crença no renascimento após a morte.
A grande e insuperável preocupação do homem com a morte é fixada a partir dessa época, quando o morto era acompanhado de coisas que faziam parte do seu cotidiano, para ajudá-lo na suposta nova vida após a morte.
Essa atitude de essência não material, transcendente, se reproduziu nos milhares de anos, culminando com a fantástica elaboração da morte idealizada pelos egípcios com a construção das pirâmides e a mumificação dos mortos, que, no seu conjunto, tinham como função a preparação do morto para a imaginável vida depois da morte.
Foi nessa busca incessante pela vida e na incompreensão da morte que o homem começou a interferir no curso das relações sociais, objetivando aumentar o seu tempo de vida por meio de medidas alternativas, quase sempre estritamente ligadas à compreensão mítica da realidade.
É provável que já estivessem consolidadas algumas ações curadoras nas comunidades pré-históricas. Existem comprovações nos fósseis encontrados: o fêmur transfixado com a ponta de uma lança, em torno de 10 mil anos, que sobreviveu muito tempos após o ferimento, comprovando a inequívoca existência de um ou mais membros do grupo que tratou e alimentou o ferido. 
Por outro lado, a incompreensão dos fenômenos naturais, da própria origem da vida e da morte, pode ter sido decisiva à duradoura associação à interpretação mágica da realidade, talvez gerando um complexo conjunto de crenças e ritos transmitidos às gerações futuras.