Amigos do Fingidor

segunda-feira, 3 de abril de 2017

Lábios que beijei 69 (final)


Zemaria Pinto
Janaína de todos os nomes


Envelhecer limita-se com apodrecer. Os lapsos de memória, as dores nunca sentidas, as referências perdidas: a vida reduz-se a lembranças improváveis, sem nenhuma ordem, e nos deixamos levar, sem mensurar as perdas, submetidos e submissos. Os nomes se embaralham, as situações também. Celebro o vazio, quando deveria recordar as mulheres que preencheram minha vida, esse oco sem conexão com os fatos, rostos que são apenas uma mancha disforme, mãos que se tornam garras quando delas me acerco, nomes sem sentido. Não há música possível, apenas o choro monocórdio dos corpos lacerados – não há sensualidade no sangue coagulado. Dão-me algo para beber. Lentamente, as ideias se arrumam e as imagens formam algum nexo. O corpo nu à minha frente é o da índia Janaína, exatamente como a vi adormecida milhares de vezes, deitada sobre o braço direito, o esquerdo projetado para a frente, o seio à mostra e a bunda à minha espera. Valda e Vilma, as irmãs ninfomaníacas, me puxam para si e me machucam os testículos. Regina, Vera, Cleide e Márcia me mordem o corpo que já não reage. Fabiana, a cleptomaníaca, Solange, Helen, Catarina – suas mãos em mim não me tocam, passando como névoa pelo meu corpo enrijecido. Os lábios proibidos de Rose roçam meus lábios e seu hálito é gelado. Cida me amassa os músculos das costas, Ane sussurra uma oração sem sentido e Renata me olha com olhos baços. Shirley bate no meu rosto e fala palavrões que não escuto. Janaína flutua ao meu encontro, deita-se com suavidade sobre mim, o seu corpo inteiro me cobre, me protege. Falando numa língua que eu não compreendo, ela me lambe com bondade e afeto – o rosto, o torso, os mamilos – e eu me esqueço de mim.


*Fim de Lábios que beijei*