João Bosco Botelho
A cultura material é, sem
dúvida, muito mais transformável do que a mentalidade. A primeira, ligada ao
conforto (aqui entendido como a fome e a sede saciadas e o abrigo contra as
intempéries), tem relação com a natureza, o homem e os produtos. A segunda, muito
mais complexa, é fruto do intrincado mecanismo neurobiológico, ainda
desconhecido, da relação entre o ser e o objeto: o pensamento.
Parece lógico supor que a
força do pensamento, reproduzindo ideias muito antigas, mesmo que sob
metamorfoses frente à cultura material, reside exatamente na característica de
reprodução: transmitida nas gerações seguintes, sofrendo a influência decisiva
do sistema sociocultural, de forma semelhante às qualidades físicas. Assim
poderíamos explicar as agruras do poder político para obter mudança revolucionária
nas crenças e ideias religiosas. As tentativas conhecidas foram acompanhadas de
instransponível oposição coletiva frente à autoridade.
O desmoronamento
incrivelmente rápido do comunismo, no Leste europeu, também mostrou de modo
insofismável essa assertiva. O arcebispo albanês Simon Jubani, encarcerado
durante vinte e dois anos pelo enfrentamento ao ateísmo de Estado decretado
pelo ditador comunista Enver Hoxha, celebrou a primeira missa, após o massacre
do ditador, na capela do cemitério da cidade de Shkoder, assistido por
incontáveis fiéis. Milhares de albaneses, libertos das correntes implacáveis do
comunismo-socialismo, retornaram aos templos, antes transformados em viveiros
de patos e rãs, com a fé renovada e tornada pública pela segurança física.
É possível imaginar o que
representou para as pessoas que viveram em regiões com inverno rigoroso, há
milhares de anos atrás, o aparecimento do Sol resplandecente para aquecer os
corpos e a terra.
Os acontecimentos seguidos
ao sedentarismo dos caçadores coletores, no final do Neolítico, estão contidos
no mesmo contexto. O laço anterior com os outros animais foi substituído, pouco
a pouco, pela nova intimidade com a terra cultivada. A ocra, pintada nos ossos
descarnados, como marca do sangue, símbolo da vida, achada em numerosos
esqueletos pré-históricos, foi deslocada pela semente e pelo esperma. A mãe
terra, sulcada pelo arado e fertilizada pelos raios solares, continua
festejada.
As celebrações religiosas,
como a missa cristã, continuam guardando lugar de destaque para as refeições,
onde o pão e o vinho, ambos filhos da mãe terra, estão presentes. Os incas do
altiplano boliviano, sobreviventes de uma das mais brutais conquistas que o
mundo conheceu, continuam rendendo graça à Pachamama, a imemorial mãe terra da
cultura andina.
Na cidade de Newgrange, na
Irlanda, existe um túmulo que serve de orientação climática para os
agricultores da região. Na década de 1960, os astrofísicos da Universidade de
Dublin, comprovaram que o local, construído há mais de cinco mil anos, é o mais
antigo alinhamento astronômico conhecido. Essa sepultura pré-histórica,
construída por um povo agrário desconhecido, contém uma abertura de vinte
centímetros no teto, por onde, no solstício do inverno, a luz natural penetra e
chega exatamente onde deveria estar repousando o morto celebrado.
É particularmente expressiva
a festa do nascimento do Sol Invicto (Dies
Solis Invicti Natalis), comemorada em Roma, junto à saturnal. Quando o
astro parecia se dirigir ao Norte, os trabalhos eram interrompidos, as casas
decoradas com árvores, os parentes trocavam presentes, intensificando o culto
ao deus asiático Mitra (Natalis Solis).
Existem evidências de que o
cristianismo primitivo foi confundido com o culto solar. Os maniqueístas
afirmavam que Jesus Cristo era o próprio Sol. Dois dos mais importantes
ideólogos cristãos, Cirilo de Jerusalém e Teodoro, fizeram a mesma associação.
Os doutores da Igreja
Católica, durante vários séculos, ficaram preocupados com a data do nascimento
de Jesus Cristo. Em 194, Clemente de Alexandria propôs o 19 de novembro do ano
3 a.C., enquanto Epifânio lutou pelo dia 30 de maio. Na realidade, não existe
qualquer comprovação de que Cristo tenha nascido neste ou naquele dia.
Dionísio, em 525, encerrou a
questão, fixando o advento no dia 25 de dezembro de 754 depois da fundação de
Roma (ab urbe condita). A rendição da
alta hierarquia romana frente ao simbolismo do solstício do inverno gerou
protestos entre os católicos armênios e puritanos ingleses. Ambos, afirmaram
ser heresia imperdoável associar o culto de Jesus à adoração pagã.
Importam pouco as
construções teóricas para entender a mágica renovação da fé do Natal: Jesus
Cristo, o Filho de Deus, está presente no advento do Natal, irradiando bondade
entre bilhões de pessoas no planeta.