João Bosco Botelho
Os corpos vistos e sentidos
como expressões de vida movem o ser pensante e finito para buscar as
explicações das mudanças produzidas nele e nos outros, interpretando como
antecipação da morte.
Ao chamarmos “paciente” o
homem doente, para diferenciá-lo do sadio, é inevitável aceitar dupla emoção
determinada pelo choque entre o real e o imaginário, causada pela consciência
da doença em si mesma. A primeira, realçada pelo visível e relacionada à
enfermidade (tumor, mancha etc.), e a segunda, fruto do exercício mental
procurando interpretar a alteração visível no corpo.
A experiência ou a
possibilidade de sentir dor serve como exemplo. O desconforto doloroso é o
componente real. A explicação dela, nascida no sofrimento, é profundamente
mesclada pelas raízes socioculturais integrantes do imaginário do doente.
O conjunto simbólico, ainda
sem explicação neurofisiológica finalizada, trabalha para dar sentido e unir o
objetivo ao subjetivo. Essa complexa elaboração cerebral utiliza mecanismos
cerebrais ainda muito pouco conhecidos, capazes de engendrar respostas mentais
intimamente relacionadas com o universo mítico do doente. O processo fisiológico determinado pela dor,
invisível, acaba consoante à mitopoese (mecanismos socioculturais que criam os
mitos).
Entre as muitas respostas
para superar o sofrimento, está a organização do MAL formando a objetividade da
doença como precursora da morte. Assim, é viabilizada a resposta fundamental do
corpo para entender a doença: o invisível se torna visível!
De maneira semelhante, a saúde
é transformada em BEM e colocada em oposição frontal à doença como MAL.
O movimento dialético entre
ser e não ser (aqui compreendidos como correspondentes aos binômios saúde e
doença, vida e morte) se faz sempre vinculado às forças contrárias (cósmicas,
morais e naturais) que se opõem ao ideal do projeto existencial ou da ordem
ético social.
A doença como MAL é sempre o
outro, localizado fora da ordenação desejada, que não o próprio ser.
Os modelos sociais colocaram
o outro, a doença, sempre absoluto e sobrenatural, acima e abaixo da terra. A
doença, como desordem, aparece no seguimento das transgressões do ritmo aceito como
bom, podendo ter natureza cósmica, moral e natural.
A alternância entre a saúde
(ordem, bom, belo, bem) e a doença (desordem, feio, mal) produzindo
enfermidades é o ponto fundamental e o limite que continua permitindo a
construção do saber médico fora da subjetividade, levando a edificação do
conhecimento do corpo, desvendando lentamente o escondido atrás da pele.
Esse extraordinário processo
tornou indispensável a presença dos agente especializados – médico, curador,
benzedor, erveiro, padres e pastores – para observar e interpretar o MAL, tanto
no espaço real quanto no imaginado das relações sociais. Por essa razão podem
ser entendidos como agentes da cura.
Esses personagens,
essencialmente normativos, historicamente têm se comportado como elos entre o
MAL e o BEM, já que é por meio da cura que se dá a passagem da doença ao sadio.
A capacidade desses agentes para desvendar a doença, tornando-a visível e
curável, dá ao ato da cura a construção mágica, porque se liga às emoções do
subjetivismo do MAL, como antítese da vida.
A ambiguidade dos saberes dos
agentes, técnicos em relação à doença e mágicos com o paciente, se edifica no
discurso bitonal capaz de ser utilizado também como instrumento de dominação.
Isto ocorre porque a doença, por mais insignificante que seja, representa
sempre a antecipação da morte. O agente da cura, como dono do saber para curar,
se coloca entre a vida e a morte.
O principal instrumento
legitimador do poder é o diagnóstico. É através do diagnóstico que os agentes
da cura identificam o MAL para, em seguida, extirpá-lo. É a precisão para transformar
o subjetivo em objetivo, o imaginário em material, que ampara as práticas de
curas, em especial, as da medicina.
A medicina se fez como
especialização social decifrando os mistérios dos corpos sadios e doentes em
permanentes transformações, tanto no espaço laico quanto no religioso das
relações sociais. A maior valorização de
um ou de outro segmento depende do conhecimento historicamente acumulado e
dominante da sociedade
O médico ao diagnosticar a
doença, para em seguida efetuar a cirurgia, e o benzedor reconhecendo o
espírito malfeitor para exorcizar, representam duas práticas de curas: a
primeira, com processos teóricos e a segunda, de natureza mágica, com objetivos
semelhantes e em espaços diferentes – afastar o MAL.