Amigos do Fingidor

terça-feira, 27 de junho de 2017

A rampa do planalto


Pedro Lucas Lindoso


Ao assumir a Presidência da República, Fernando Collor nomeou o senador Bernardo Cabral para o Ministério da Justiça. Meu grande amigo de Brasília Flavio Bittencourt, filho de Ulisses Bittencourt e primo de Araújo Lima, que fora nomeado chefe da Secretaria Nacional de Justiça, nos levou para compor a equipe do Dr. Bernardo. Foi convidado também o Francisco Vasconcelos, membro da Academia Amazonense de Letras e recentemente falecido.
Vasconcelos era um oásis de sabedoria e moderação em meio a um pessoal cheio de muita bazófia e desmesurado entusiasmo. Eram todos muito sanguíneos e enfrentando responsabilidades nunca antes experimentadas. Inclusive eu, nomeado ao importante cargo de Diretor de Assuntos da Cidadania do Ministério da Justiça.
O Governo Collor tinha um avançado programa de marketing político, responsável por eleger o primeiro presidente eleito pelo povo depois da redemocratização.
Em frente ao Palácio do Planalto em Brasília há uma majestosa rampa branca que dá acesso à entrada principal. Nas segundas feiras o presidente subia a rampa. Às sextas eram dias de descida da rampa.
No anexo do Palácio, mais acima, onde funciona o Ministério da Justiça, acompanhávamos semanalmente o movimento das subidas e descidas da rampa. Vasconcelos e eu tínhamos um medo e um segredo compartilhado que envolvia a tal cerimônia, que revelarei a seguir.
As descidas e subidas de rampa eram um evento semanal de marketing e envolvia sempre algum segmento do governo. No Dia do Índio eram convidados nossos irmãos indígenas e o pessoal da FUNAI. No dia das Mulheres, o Conselho da Mulher e representantes das feministas. Efemérides relacionadas à Educação, Saúde, Meio Ambiente ou Infraestrutura eram convocados os dirigentes e comissionados dos respectivos órgãos. Todos chamados a subir, ou descer a rampa com o presidente. Aquilo era televisionado. O que diriam meus amigos da UnB ao me verem descendo a rampa, pensava eu. O que diria o pessoal do Banco do Brasil, pensava o Vasconcelos. Esse era o nosso segredo. Pavor em ser convocado para descer ou subir a rampa.
Na linguagem jocosa dos brasilienses da época havia os rampistas, os rampeiros e os rampadores. Os primeiros eram os que faziam lobby para ser convidados a subir a rampa com o Collor. Os rampeiros eram os comissionados que, convidados compulsoriamente e para não colocarem seus cargos em risco, compareciam à cerimônia. E os rampadores. Esses eram convidados e iam com alegria e júbilo descer a rampa com o presidente. O rampador-mor era o senhor Paulo Otávio, político e empresário brasiliense. Dileto amigo de Fernando Collor desde os tempos de juventude. Podia ser dia dos índios ou da mulher. O Paulo Otavio estava lá, pronto para descer ou subir a rampa.
Graças a Deus, Vasconcelos e eu escapamos de nosso dia de rampeiro. Qual efeméride celebra a cega deusa da Justiça nesse nosso país de tanta injustiça?!
Finalmente, Collor desceu a rampa definitivamente sob um processo de impeachment. Não estávamos mais lá. O mesmo aconteceu com a presidente Dilma recentemente. Esperamos que o próximo eleito pelo povo a subir a rampa o faça com dignidade. E ao afinal do mandato possa descer aplaudido, sem acusações de corrupção e malfeitos. O Brasil merece.