Pedro Lucas Lindoso
Ao assumir a Presidência da República, Fernando Collor nomeou
o senador Bernardo Cabral para o Ministério da Justiça. Meu grande amigo de
Brasília Flavio Bittencourt, filho de Ulisses Bittencourt e primo de Araújo
Lima, que fora nomeado chefe da Secretaria Nacional de Justiça, nos levou para
compor a equipe do Dr. Bernardo. Foi convidado também o Francisco Vasconcelos,
membro da Academia Amazonense de Letras e recentemente falecido.
Vasconcelos era um oásis de sabedoria e moderação em meio a
um pessoal cheio de muita bazófia e desmesurado entusiasmo. Eram todos muito
sanguíneos e enfrentando responsabilidades nunca antes experimentadas.
Inclusive eu, nomeado ao importante cargo de Diretor de Assuntos da Cidadania
do Ministério da Justiça.
O Governo Collor tinha um avançado programa de marketing
político, responsável por eleger o primeiro presidente eleito pelo povo depois
da redemocratização.
Em frente ao Palácio do Planalto em Brasília há uma majestosa
rampa branca que dá acesso à entrada principal. Nas segundas feiras o
presidente subia a rampa. Às sextas eram dias de descida da rampa.
No anexo do Palácio, mais acima, onde funciona o Ministério
da Justiça, acompanhávamos semanalmente o movimento das subidas e descidas da
rampa. Vasconcelos e eu tínhamos um medo e um segredo compartilhado que
envolvia a tal cerimônia, que revelarei a seguir.
As descidas e subidas de rampa eram um evento semanal de
marketing e envolvia sempre algum segmento do governo. No Dia do Índio eram
convidados nossos irmãos indígenas e o pessoal da FUNAI. No dia das Mulheres, o
Conselho da Mulher e representantes das feministas. Efemérides relacionadas à
Educação, Saúde, Meio Ambiente ou Infraestrutura eram convocados os dirigentes
e comissionados dos respectivos órgãos. Todos chamados a subir, ou descer a
rampa com o presidente. Aquilo era televisionado. O que diriam meus amigos da
UnB ao me verem descendo a rampa, pensava eu. O que diria o pessoal do Banco do
Brasil, pensava o Vasconcelos. Esse era o nosso segredo. Pavor em ser convocado
para descer ou subir a rampa.
Na linguagem jocosa dos brasilienses da época havia os
rampistas, os rampeiros e os rampadores. Os primeiros eram os que faziam lobby
para ser convidados a subir a rampa com o Collor. Os rampeiros eram os
comissionados que, convidados compulsoriamente e para não colocarem seus cargos
em risco, compareciam à cerimônia. E os rampadores. Esses eram convidados e iam
com alegria e júbilo descer a rampa com o presidente. O rampador-mor era o
senhor Paulo Otávio, político e empresário brasiliense. Dileto amigo de
Fernando Collor desde os tempos de juventude. Podia ser dia dos índios ou da
mulher. O Paulo Otavio estava lá, pronto para descer ou subir a rampa.
Graças a Deus, Vasconcelos e eu escapamos de nosso dia de
rampeiro. Qual efeméride celebra a cega deusa da Justiça nesse nosso país de
tanta injustiça?!
Finalmente, Collor desceu a rampa definitivamente sob um processo
de impeachment. Não estávamos mais lá. O mesmo aconteceu com a presidente Dilma
recentemente. Esperamos que o próximo eleito pelo povo a subir a rampa o faça
com dignidade. E ao afinal do mandato possa descer aplaudido, sem acusações de
corrupção e malfeitos. O Brasil merece.