João Bosco Botelho
As práticas médicas no Oriente Próximo, nas primeiras
cidades, se mantiveram ancoradas na complexa relação entre a adivinhação, o
mágico, as crenças e ideias religiosas e os saberes historicamente acumulados.
Desse modo, naquelas organizações sociais, o diagnóstico, o tratamento e o
prognóstico eram executados sem método, casual, exercidos de modo predominante
pelos especialistas no trato com a coisa sagrada. Sem receio de cometer
exagero, nos estratos sociais privilegiados, próximos do poder político e
econômico, os registros mesopotâmicos cuneiformes e egípcios hieroglíficos
atestam as prescrições médicas entendidas como receitas de bolo repetidas,
independentes das características individuais das doenças e de cada doente.
Como consequência, esses fatores representaram obstáculos
intransponíveis para compreender aqueles conhecimentos fora dos restritos
grupos dos eleitos. Esse pressuposto fica mais claro nas civilizações que se
desenvolveram nas margens dos rios Eufrates, Tigre e Nilo. Apesar do notável
senso empírico, a Medicina do segundo milênio permaneceu contida nas amarras da
adivinhação, do mágico.
Os livros sagrados da tradição judaico-cristã estão abarrotados
de passagens que enaltecem o poder de Deus sobre a vida e a morte, destacando a
dádiva divina e o médico como alguém especial: Eclo 38, 1-2: Rende ao médico as
honras que lhe são devidas, por causa de seus serviços, porque o Senhor o
criou. Pois é do Altíssimo que vem a cura, como um presente que se recebe do
rei. A ciência do médico o faz trazer a fronte erguida, ele é admirado pelos
grandes.
Desde o século 4 a.C., a prática divinatória médica continuou
forte no universo cultural grego e alcançou os territórios romanos, mantendo a
metamorfose heroica associada à cura: deuses se destacavam no atributo do dom
de curar as doenças e as feridas de guerra.
A Medicina e os médicos atados às ideias e crenças religiosas
transpuseram as fronteiras greco-romanas, cristianizados no Ocidente, marcados
no ministério de Jesus Cristo, onde as curas milagrosas se destacam em muitas
passagens bíblicas, estabelecendo novos conceitos na prática médica: a caridade
cristã como instrumento de cura.