Pedro Lucas Lindoso
Revogou-se o Estatuto do Desarmamento. Se certo ou errado não
sei. Não sou especialista em Direito Penal. Pouco entendo de Sociologia do
Crime. Não tenho armas. Não critico quem as têm. Cada um sabe de si. Todos têm
medo. Há muita violência no país, onde ainda há muita fome e desigualdades.
Liberou-se a posse de armas. Nos Estados Unidos, a posse de
armas em casa ou no carro é totalmente liberada. Em alguns estados americanos
há restrições. Mas a posse está garantida constitucionalmente. E lá não se toca na constituição facilmente.
A Segunda Emenda, ainda no ano de 1791, da Constituição Americana, diz: “sendo
necessária para a segurança de um Estado livre uma milícia bem regulada, o
direito de as pessoas manterem e portarem armas não deve ser violado”.
Todavia, no outono de minha vida estou mais afeito à
Literatura do que ao Direito. O maior poeta brasileiro do século 20, Carlos
Drummond de Andrade, escreveu um significativo poema chamado “A morte do
leiteiro”. Tomei a ousadia de resumir a obra de Drummond, cortando algumas
partes, juntando as estrofes assim:
“Então o moço que é leiteiro de madrugada com sua lata sai
correndo e distribuindo leite bom para gente ruim. (...) E há sempre um senhor
que acorda, resmunga e torna a dormir. Mas este entrou em pânico (ladrões
infestam o bairro), não quis saber de mais nada. (...) O revólver da gaveta
saltou para sua mão. Ladrão? se pega com tiro. Os tiros na madrugada liquidaram
meu leiteiro. Se era noivo, se era virgem, se era alegre, se era bom, não sei,
é tarde para saber. (...) Mas o homem perdeu o sono de todo, e foge pra rua.
Meu Deus, matei um inocente. (...) Da garrafa estilhaçada, no ladrilho já
sereno escorre uma coisa espessa que é leite, sangue… não sei. (...) Formando
um terceiro tom a que chamamos aurora.”
Não há leiteiros distribuindo garrafas de leite puro e cru
nas madrugadas no século 21. Compra-se leite em pó. Ou industrializados e
pasteurizados vendidos em recipientes com conservantes para durar semanas.
Leiteiros estão fora de perigo. Então o poema de Drummond estaria totalmente
anacrônico?
Acho que não. Preocupam-me os entregadores de pizza.
Devido à facilidade e comodidade, muitos brasileiros preferem
pedir pizza em casa. Inclusive de madrugada. Os serviços de entrega de pizzas
cresceram nos últimos anos. Faturando bilhões.
Há moços correndo, distribuindo pizza boa para gente ruim. E há sempre
um senhor que acorda, resmunga e torna a dormir.
Os tiros na madrugada que liquidaram o leiteiro de Carlos
Drummond podem acertar no entregador de pizza. Entregadores de pizza, cuidado!