Amigos do Fingidor

quinta-feira, 21 de março de 2019

A poesia é necessária?



Romance XIX ou Dos maus presságios
Cecília Meireles (1901-1964)


Acabou-se aquele tempo
do Contratador Fernandes.
Onde estais, Chica da Silva,
cravejada de brilhantes?
Não tinha, Santa Ifigênia,
pedras tão bem lapidadas,
por lapidários de Flandres…

Sobre o tempo vem mais tempo.
Mandam sempre os que são grandes:
e é grandeza de ministros
roubar hoje como dantes.
Vão-se as minas nos navios…
Pela terra despojada,
ficam lágrimas e sangue.

Ai, quem se opusera ao tempo,
se houvesse força bastante
para impedir a desgraça
que aumenta de instante a instante!
Tristes donzelas sem dote
choram noivos impossíveis,
em sonhos fora do alcance.

Mas é direção do tempo…
E a vida, em severos lances,
empobrece a quem trabalha
e enriquece os arrogantes
fidalgos e flibusteiros
que reinam mais que a Rainha
por estas minas distantes!

(Do Romanceiro da Inconfidência)