O
Poder
Ivan
Junqueira (1934-2014)
Eis o poder: seus palácios
hospedam reis e vassalos,
messalinas, pajens glabros,
eunucos, aias, lacaios,
e até artistas e ratos.
Uma só migalha basta
à sordícia que se alastra,
e pronto surge uma talha
onde o cenário é lavado
para o próximo espetáculo.
O poder é assim: devasta,
corrompe, avilta, enxovalha,
do reles pároco ao papa,
e não há um só que escape
ao seu melífluo contágio.
Se alguém o nega ou o afasta,
compram-no logo, à socapa,
a peso de ouro ou de prata.
E se acaso não o fazem,
mais simples ainda: matam-no.
Tem o poder muitas faces:
a que se crispa, indignada,
a que te olha de soslaio,
a que purga e chega às lágrimas,
a que se oculta, enigmática.
Mas são apenas disfarces,
formas várias que se esgarçam,
por entre véus e grinaldas,
porque assim vertem mais fácil
o vitríolo em tua taça.
E tu, rei de Tule, aos lábios
leva sempre, ávido, o cálice,
não por amor nem saudade
de quem se foi, entre as vagas,
de um castelo à orla do mar,
mas só porque, embriagado,
são de engodo as tuas asas
e de cobiça os teus passos,
que vão aquém das sandálias
e se arrastam rumo ao nada.
O poder é aquele pássaro
que te aguarda sob os galhos.
Tudo ele dá, perdulário.
De ti quer apenas a alma,
por inteiro. Ou a retalho.