Amigos do Fingidor

quinta-feira, 11 de junho de 2020

A poesia é necessária?



Meus avós
Carlos de Assumpção


Os meus avós foram fortes
Foram fortes os meus avós

Orgulho-me dos meus avós
Que outrora
Carregaram sobre as costas
A cruz da escravidão

Orgulho-me dos meus avós
Que outrora
Trabalharam sozinhos
Para que este país
Se tornasse tão grande
Tão grande como hoje é

Os meus avós foram fortes
Foram fortes os meus avós

Este país meus irmãos é fruto
Das sementes de sacrifício
Que os meus avós plantaram
No solo do passado

Há muitas histórias
Sobre os meus avós
Que a História não faz
Questão de contar

Os meus avós foram bravos
Foram bravos os meus avós

Embora ainda não conhecessem
A nova terra
A que tinham sido transportados
Acorrentados como se fossem feras
Nos sinistros navios-negreiros
Embora ainda não conhecessem
A nova terra
Os meus avós fugiam das fazendas
Cidades bandeiras e minas
E se embrenhavam nas florestas
Perseguidos por cães e capitães-do-mato

Há muitas histórias
Sobre os meus avós
Que a História não faz
Questão de contar

E a história
Dos que desesperados
Se atiravam dos navios
No abismo do oceano
E eram acalentados
Por Iemanjá

E a história
Dos que enlouquecidos
Gritavam em vão
Chamando a mãe África
Saudosos da África
Ansiosos por estreitar
De novo nos braços
A velha mãe África

E a história
Dos que morriam de banzo
Dos que se suicidavam
Dos que recusavam
Qualquer alimento
E embora ameaçados
Por troncos e chicotes
Não se alimentavam
E acabavam morrendo
Encontrando na morte afinal
A porta da liberdade

E as fugas em massa
Planejadas na noite das senzalas

E os feitores
Mortos nos eitos

E os senhores
Mortos nas casas grandes
E nas tocaias das estradas

Há muitas histórias
Sobre os meus avós
Que a História não faz
Questão de contar

Os meus avós foram bravos
Foram bravos os meus avós

Não me venham dizer
Que os meus avós se submeteram
Facilmente à escravidão

Não me venham dizer
Que os meus avós foram
Escravos submissos
Por favor não me venham dizer
Eu não aceito mentiras

Cortarei com a espada
Dos meus versos
A cabeça de todas as mentiras
Mal intencionadas
Com que pretendem humilhar-me
Destruir o meu orgulho
Falseando também
A história dos meus avós

Os meus avós foram bravos
Foram bravos os meus avós

Apesar dos “castigos
Públicos para exemplo”

Apesar de flagelados
Na carne e na alma

Apesar de divididos
E oprimidos
Pelo regime aviltante

Apesar de todas
As crueldades sofridas

Os meus avós nunca
Nunca se submeteram
À escravidão

Há muitas histórias
Sobre os meus avós
Que a História não faz
Questão de contar

Os meus avós foram fortes
Foram bravos
Foram bravos foram fortes
Os meus avós

A quem ainda duvide
Aponto entre outras epopeias
A epopeia dos Palmares
Cujos quilombolas chefiados
Pelo herói negro Zumbi
Acuados pelos inimigos
Muito mais bem armados
E muito mais numerosos
Esgotadas todas as forças
Apagadas as esperanças
Despenham-se da Serra da Barriga
Preferindo a morte gloriosa
À infame vida de escravos

Aponto as revoltas malês
Quanto os batacotôs
(Tambores guerreiros)
Puseram em pânico
A cidade da Bahia

Aponto o quilombo de Jabaquara
Outro exemplo de bravura
Dos meus avós

Aponto as sociedades negras secretas
Que angariavam fundos
Para comprar alforria
De irmãos escravizados

Há muitas histórias
Sobre os meus avós
Que a História não faz
Questão de contar

Meus avós foram fortes
Foram bravos
Foram bravos foram fortes
Os meus avós