Amigos do Fingidor

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

A poesia é necessária?

 Makunaíma recria o mundo

Jorge Tufic (1930-2018)

 

Depois das águas grandes,

o mundo ficou seco e oco.

Pedaços de carvão ficaram rolando no solo,

como ecos de pedras,

vozes de rio, gemidos de fogo.

Então, Makunaíma acordou.

E do barro de sua vigília

retirou aquele homem, sua forma de barro,

seu peito cavado.

 

No outro lado de Roraima

seus feitos continuaram.

Homens e mulheres foram sendo mudados

em rochas, antas e javalis.

Perto de Koimelemong, um cervo

mergulha na terra a cabeça-de-pedra.

Sobre uma grande onda na Serra de Aruaiang,

pousa uma cesta de luar.

A Serra do Mel parece conduzir

um silêncio de aragem

e vai sem ter vindo.

 

Muitas dessas pedras se elevam

no país dos ingleses, assim como peixes

e uma cesta que imita, por baixo,

um perfil de mulher.

 

A savana da Serra de Mairani

são braços, pernas e cabeça

de um ladrão de urucu.

Aí também se entreabrem umas nádegas de pedra.

Cachoeiras acima,

o movimento dos peixes adentra na rocha.

 

Uma pedra chamada Mutum

canta como este

quando alguém vai morrer.

Por um oco de salto,

vespas gigantes construíram suas casas

e zumbem na base mais profunda da serra.

 

Aqui fora, Makunaíma dá os últimos retoques

nos bichos domésticos.

Depois disso ele deita na terra molhada

e se deixa esvair em milhares de seres

que nadam para o rio.