Amigos do Fingidor

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

A poesia é necessária?

 Negra!

 Joaquim Cordeiro da Mata (1857-1894)

 

I

Negra! negra! como a noite

d’uma horrível tempestade,

mas, linda, mimosa e bela,

como a mais gentil beldade!

Negra! negra! como a asa

do corvo mais negro e escuro,

mas, tendo nos claros olhos,

o olhar mais límpido e puro!

 

Negra! negra! como o ébano,

sedutora como Fedra,

possuindo as celsas formas,

em que a boa graça medra!

Negra! negra!... mas tão linda

co’os seus dentes de marfim;

que quando os lábios entreabre,

não sei o que sinto em mim!...

 

II

Só, negra, como te vejo,

eu sinto nos seios d’alma

arder-me forte desejo,

desejo que nada acalma.

se te roubou este clima

do homem a cor primeva;

branca que ao mundo viesses,

serias das filhas d’Eva

em beleza, ó negra, a prima!...

gerou-te em agro torrão;

S’elevar-te ao sexo frágil

temeu o rei da criação;

é qu’és, ó negra criatura,

a deusa da formosura!...