Amigos do Fingidor

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

A poesia é necessária?

 

Poema Cíclico

Anibal Beça (1946-2009)

 

A trave dos meus olhos

é pólen de crisântemos:

farpas cronológicas.

Metro a metro a seta ideográfica

abre aspas ao vento:

mandala vertical.

 

Quem me confere

estas asas nubladas

de arcanjo do limbo?

 

Ah tempo adiposo

a marca do teu risco

esferográfico

abre mais uma estrada

(sem acostamentos)

paralela às estrias do sono.

 

Eis que a pálpebra de palha

se apresenta:

dos meus olhos saltam

pássaros ariscos

prontos a deflorar begônias

em setembro

e 38 ponteiros

(rubis ciclotímicos do silêncio)

acupunturam poros fóbicos.

 

Calendas

a fala do espelho

(espectador anônimo)

mostra-me por inteiro:

vital conselho

entre o sudário que

me hospeda

e a angústia que

me habita.

 

A miração flutua narcisicamente

o rasto da sílaba

e

o grão onomástico sussurra:

Anibal.

 

Quão particular este silêncio

(viés oculto)

que me sabe desnudo

despudoramente nu

encalhado num atol:

leito circunscrito

às algas do meu avesso.

 

Sem embargo

trago sempre no alforje

um fardo de estrelas:

sei-me estivador

desse cais agônico:

atarefado Sísifo.