Amigos do Fingidor

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

A poesia é necessária?

 

Estrofes do Solitário

Castro Alves (1847-1871)

 

Basta de covardia! A hora soa...

Voz ignota e fatídica revoa,

Que vem... Donde? De Deus.

A nova geração rompe da terra,

E, qual Minerva armada para a guerra,

Pega a espada... olha os céus.

 

Sim, de longe, das raias do futuro,

Parte um grito, p’ra — os homens surdo, obscuro

Mas para — os moços, não!

É que, em meio das lutas da cidade,

Não ouvis o clarim da Eternidade,

Que troa n'amplidão!

 

Quando as praias se ocultam na neblina,

E como a garça, abrindo a asa latina,

Corre a barca no mar,

Se então sem freios se despenha o norte,

É impossível — parar... volver — é morte...

Só lhe resta marchar.

 

E o povo é como — a barca em plenas vagas,

A tirania — é o tremedal das plagas,

O porvir — a amplidão.

Homens! Esta lufada que rebenta

É o furor da mais lôbrega tormenta...

— Ruge a revolução.

 

E vós cruzais os braços... Covardia!

E murmurais com fera hipocrisia:

— É preciso esperar...

Esperar? Mas o quê? Que a populaça,

Este vento que os tronos despedaça,

Venha abismos cavar?

 

Ou quereis, como o sátrapa arrogante,

Que o porvir, n’antessala, espere o instante

Em que o deixeis subir?!

Oh! parai a avalanche, o sol, os ventos,

O oceano, o condor, os elementos...

Porém nunca o porvir!

 

Meu Deus! Da negra lenda que se inscreve

Co’o sangue de um Luís, no chão da Grève,

Não resta mais um som!...

Em vão nos deste, p’ra maior lembrança,

Do mundo — a Europa, mas d’Europa — a França.

Mas da França — um Bourbon!

 

Desvario das frontes coroadas!

Na página das púrpuras rasgadas

Ninguém mais estudou!

E no sulco do tempo, embalde dorme

A cabeça dos reis — semente enorme

Que a multidão plantou! ...

 

No entanto fora belo nesta idade

Desfraldar o estandarte da igualdade,

De Byron ser o irmão...

E pródigo — a esta Grécia brasileira,

Legar no testamento — uma bandeira,

E ao mundo — uma nação.

 

Soltar ao vento a inspiração de Graco

Envolver-se no manto de ‘Spartaco,

Dos servos entre a grei;

Lincoln — o Lázaro acordar de novo,

E da tumba da ignomínia erguer um povo,

Fazer de um verme — um rei!

 

Depois morrer — que a vida está completa,

— Rei ou tribuno, César ou poeta,

Que mais quereis depois?

Basta escutar, do fundo lá da cova,

Dançar em vossa lousa a raça nova

Libertada por vós ...