Amigos do Fingidor

quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

A poesia é necessária?

 Missa Negra


José Juan Tablada (1871-1945) 


Noite de sábado! Calada

está a terra e negro o céu,

palpita em minha alma uma balada

de doloroso ritornelo.


O coração sangra ferido

pelo cilício das tristezas

e corre o chumbo derretido

da neurose em minhas veias.


Amada, vem! Dá a meu rosto

o edredom do teu regaço

e a minha loucura, docemente,

leva à prisão do teu abraço.


Noite de sábado! Em tua alcova

paira um perfume de incensário

o ouro brilha e a caoba

tem penumbras de santuário.


E além, no leito onde repousa

teu corpo branco, reverbera

como custódia esplendorosa

tua desfeita cabeleira.


Toma o aspecto triste e frio

da enlutada religiosa

e com o traje mais sombrio

veste tua carne voluptuosa.


Com o murmurinho das preces

quero a voz da tua ternura,

e com o óleo dos meus beijos

ungir de Deusa tua beleza.


Quero trocar o beijo ardente

dos meus versos de outros dias

pelo incenso reverente

das sonoras litanias.


Quero nos degraus de teu leito

dobrar tremendo o joelho...

fazer de altar o teu peito 

e de tua alcova a capela.


E celebrar febril e mudo

sobre teu corpo sedutor

pleno de essências e desnudo

a Missa Negra do meu amor!


(Trad. Zemaria Pinto)