Amigos do Fingidor

terça-feira, 19 de outubro de 2010

A fragmentação das torres – 3

Marco Adolfs


O advogado Ramyres em meio a processos


“Com é que ela pode ficar assim, desse jeito, olhando o Cristo o dia inteiro?... Sem reconhecer sequer a filha?”...


Pega esse processo e arquiva! Pilhas chatas de gente chata que faz muita besteira. Devia ter ficado no exército. Lá é que era o meu lugar. Agora estou aqui, sentado numa cadeira odiosa e enclausurado dentro desse paletó quente e desconfortável e ainda tendo que aturar esses boçais com seus crimes. Por isso que explodiram aquelas torres. Dormimos lado a lado e ela nem me dirige mais a palavra, de tão cansada que fica. Mas ela se acha parecida com a Catherine Deneuve. Eu também acho que ela tem um “q” da atriz. Bons tempos. Mas viver abrindo a boca das pessoas? Nunca entendi isso. Por que não fez Direito, como eu? Abandonou faltando pouco para seguir a Odontologia. Bom, é isso. Horas e horas sentado e ela em pé. Quando chego cansado eu é que tenho vontade de explodir tudo. E Miriam não colabora em nada. Só quer descansar os seus belos pezinhos. Cachorro idiota latindo, gata miando e a velha se esfacelando na cadeira de balanço. Ainda bem que o Juca faz a coisa certa e fica lá no quarto quieto. Juca é um bom menino. Estudioso e quieto. Que mais eu poderia esperar de um filho? Que não ficasse tão agarrado com a mãe. Sei não? Um amigo meu tem um filho gay. Coitado. Gay e viciado. Filhinho da mamãe dá nisso. Como estará ela? Ás vezes desconfio dela. Mulher muito bonita, sozinha, naquele consultório. Besteira minha. “Você nem liga pra mim; nem me dá um beijo mais”. Fico chateado quando ela diz isso. Ela é que não me dá beijo. Mulher é tudo igual, sempre esperando as atitudes do homem. E a gente o que recebe? O mundo não mudou nada. Talvez as Torres caiam na cabeça dessa gente para acordá-las de vez. Merda! Processos, processos e mais processos que só levam ao ódio de uns contra outros. Melhor é explodir logo tudo e acabar de vez com isso. Foi bonito. Achei bonito. Aqueles prédios do World Trade Center caindo; se esfacelando. Cinema americano da mais alta qualidade, disse alguém. Mas eu não posso pensar isso. E muito menos falar. Que me desculpem todas as vítimas. Me desculpem, está certo! Sei que foi cruel. Mas também... Bom, deixa pra lá. Mas o que percebo é a mãe se esfacelando naquela cadeira, olhando para o Cristo, esperando a morte chegar. Esperamos, todos, a sua morte, essa é que é a verdade. É um processo deferido. Concluído. Essa é a vida da gente. Trabalho, ilusão e morte.