Amigos do Fingidor

terça-feira, 22 de março de 2011

Gabriel saiu para almoçar 10/15

Marco Adolfs


...Foi quando então Gabriel Sombra passou a pensar em seu grande amor do passado, Clarice, quando esta lhe disse que estava tudo acabado entre os dois... que ele nunca mais a veria. E ele então, a partir daquele momento, ficou só. Só e sem o grande amor de sua vida. Sem aquela mulher que praticamente fora a responsável por lançá-lo no mundo da poesia. Fazendo-o ganhar um prêmio nacional de literatura, justamente por ter enviado seus originais, à revelia, para concorrer. O grande amor de sua vida, Clarice. Aquela que ele, estupidamente, não conseguira agradecer adequadamente como um homem; e que por isso, o deixara. Águas passadas que ainda moviam o moinho que triturava a sua alma torturada pela lembrança de um erro. Isso tudo, se fosse pensado com profundidade e sem a possibilidade da distração, o levaria à depressão. Principalmente aos domingos, quando todos se procuravam em uma família. Bastava ver com os seus próprios olhos da melancolia passageira. Ver o seu passado e o passado desta cidade de Manaus, os dois dilacerados pelas lembranças fugidias. Isso recrudescia a sua sensação de solidão; ou de estar só. Quando saía e via tudo o que antes fora presente e que seus olhos, agora amargurados, passavam a enxergar como um vazio. Aí, nesse exato momento, uma espécie de água parecia lhe subir até o pescoço; até a garganta. Pés atolados em profundo lamaçal de recordações. Uma corrente o submergindo lentamente. “A alma triste de um solitário culpado de um erro é fardo cruel”. Tudo isso ele pensava, lembrando da Bíblia. Ele era justamente o homem que vira a aflição de ter que andar nas trevas da solidão, vendo o seu corpo envelhecer e despedaçar os seus ossos. E que agora, para se ver livre de tudo isso, transformava esse sentimento em um ensaio sobre a solidão. A tal da solidão criativa em ação. Quase como uma confissão de um solitário a todos os outros solitários que com seus grilhões de bronze gritavam os seus gritos silenciosos. Ele estava pagando justamente por ter sido rebelde e intolerante. O ouro havia escurecido e espalhadas tinham sido as pedras do santuário pelas esquinas da cidade de sua alma. Manaus e ele haviam se tornado incompreensíveis para aquelas pessoas que haviam perdido as referências do passado. Como ele estava sentindo agora. Talvez só as pedras de algumas calçadas desta cidade e alma isolada e solar, ainda aceitassem o tranco das horas passadas. A desgastarem-se continuadamente...