Amigos do Fingidor

terça-feira, 3 de maio de 2011

Gabriel saiu para almoçar 15/15

Marco Adolfs



...Com a “sua” solidão como se fosse uma trilha aberta na direção do campo florido da existência criativa; e ele, Gabriel; como um demiurgo; um criador; inserido nesta situação de estar só; pensou, incisivamente, “pois então que todos criassem, no lugar de chorar!”. Sombra resmungou um pouco, antes de anotar esta frase. Mas, para ele, o fato de ter optado pelo isolamento criativo não garantia a total felicidade. Havia, em determinados momentos, o peso excessivo do silêncio. Pois, para Sombra, esse silêncio também tinha peso e fazia muita força no sentido de desestabilizá-lo de vez em quando. Principalmente aos domingos. O fato era que a solidão apresentava diversas facetas. Ela podia ser também desesperadora. Mas por outro lado notava-se a própria essência da sua vida de escritor existindo somente a partir da solidão. Muitas e muitas vezes ele também sentiu-se seguro em seu casulo. Não poderia negar. Dentro de si mesmo, sem existir nenhum conflito. Mas, quando tinha que pensar do ponto de vista prático – “onde estava todo mundo?” – isso o desesperava, gerando o sentimento muito conhecido da angústia. Ele estava livre e não usufruía, por causa de sentimento atávico de ter que viver em grupo. Em caso de perigo ou doença, o que fazer? Seus fantasmas. Foi quando Gabriel pensou naquelas milhares de pessoas que estavam acompanhadas de outros seres humanos. Que nunca haviam estado só. Pelos menos aparentemente. Que, fugindo da angústia, haviam, isto sim, renunciado à liberdade que o estar só proporciona. “Então eu deveria escrever sobre a angústia”, pensou Sombra, num lampejo de sua mente e ajeitando-se um pouco mais na rede.

Mas Gabriel era forte nesses sentidos todos de assumir, mesmo com um pequeníssimo desespero domingueiro a sua existência longe dessas observações existenciais. Pois, para o grosso da humanidade a solidão é vivida como algo extremamente cruel aos seus sentidos. Porém, embora Gabriel Sombra de vez em quando sentisse esse sentimento com mais intensidade, fazia dele uma necessidade. A necessidade de estar só o protegia de inconvenientes contraditórios. “Nunca quis que alguém se metesse na minha vida, mesmo”, pensou, com uma certa intensidade. O peso da solidão, que porventura o levasse a sentir-se incomodado, era passageiro. Durava apenas algumas precaríssimas horas de domingos e feriados, antes e depois do almoço. Até o anoitecer, quando então voltava para a sua “caverna meditatória”. E, como está escrito neste livro de consoladores e solitários extremos: E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco para sempre, o Espírito da verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê, nem o conhece; mas vós o conheceis, porque habita convosco e estará em vós. Não vos deixarei órfãos; voltarei para vós... Quantas vezes o provocaram no deserto e o ofenderam na solidão!Porque o SENHOR consolará a Sião, e consolará a todos os seus lugares assolados, e fará o seu deserto como o Éden e a sua solidão, como o jardim do SENHOR; gozo e alegria se acharão nela, ações de graças e voz de melodia... As tuas cidades porei em solidão, e tu te tornarás em assolação; e saberás que eu sou o SENHOR.

...Então, ao colocar o ponto final em seu ensaio sobre a solidão, Gabriel Sombra, o poeta solitário da cidade de Manaus, olhou para o seu pequenino relógio de pulso e percebeu que estava na hora de sair para almoçar...

E foi o que fez, para imenso prazer de sua alma.