Amigos do Fingidor

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Mar morto, de Jorge Amado, uma análise 7/14

Zemaria Pinto


2) Resumo da Fábula


Ao estudarmos a estrutura formal, já fornecemos ao leitor o essencial da fábula de Guma. Mas o enfoque, aqui, é diferente. No estudo anterior, procuramos mostrar ao leitor a visão do narrador, como ele manipula a história que está sendo contada e como, se não ficarmos atentos, poderemos ser iludidos pelas artimanhas da narrativa. Agora, no estudo da fábula, procuraremos mostrar a visão do leitor, a sua visão, ao terminar de ler o livro. Ou seja, vamos montar a história de Guma em ordem rigorosamente cronológica, com princípio, meio e fim, começando, hipoteticamente, com um doce “era uma vez...”. Não nos eximimos de repetir, entretanto, que o nosso “resumo” não substitui a leitura do texto original, tanto pelo que ele tem de riqueza artística quanto pelo prazer que dele você pode extrair.

Infância e juventude – Frederico, marinheiro da cidade da Bahia, de passagem por Aracaju, seduz, com as promessas habituais, uma jovem de família conceituada, que, grávida, é expulsa de casa. Frederico abandona-a à própria sorte, mas ela, já com o filho recém-nascido no colo, o reencontra e lhe entrega a criança. A moça prostitui-se pelas cidades do Nordeste e Frederico continua sua vida de aventuras em cada porto, mas antes entrega a criança aos cuidados de seu irmão Francisco e Rita, esposa deste.

Ao menino fora dado o nome de Gumercindo, o mesmo do padrinho de sua mãe, única pessoa a ampará-la naquele momento difícil. Os tios o chamam de Guma, e é assim que nós vamos chamá-lo de ora em diante, porque é assim que todos o chamam.

Guma pouco se lembra do pai. Em uma noite de tempestade, quando Francisco contava para a mulher e para a Guma a história de um naufrágio, Frederico voltou. Mas não demorou muito tempo. Dizia-se que matara um homem em terras distantes e voltara à Bahia apenas para ser esquecido. Em outra noite de tempestade, após salvar Francisco, Frederico mergulha com o saveiro “Estrela da Manhã”.

Só assim pôde ele continuar sua viagem interrompida e foi com Iemanjá, que ama os homens de coragem.
(“Terras do Sem Fim”)

Nessa mesma noite, Rita, mulher de Francisco, também morre. Não suporta a emoção. Guma cresce sob a influência do tio, sem uma presença feminina por perto.

Aos 11 anos, vai para a escola de Dona Dulce. Seis meses são suficientes para o aprendizado fundamental: ler alguma coisa e escrever o nome. Não que Guma fosse diferente das outras crianças. Todas passam pelo mesmo ritual. A professora, outrora otimista, com o tempo aprende que só um “milagre” poderá mudar a vida daquela gente. Mas ela mesma não sabe que milagre é esse.

Nessa mesma época, acontece a Guma um encontro com o qual jamais sonhara. Sua mãe aparece de repente e quer levá-lo. Francisco nega a posse do garoto. Bastava olhar para aquela mulher para entender que o futuro de Guma não poderia se unir ao dela.

O velho Francisco olhou a mulher. Apesar dos dentes cariados, era bonita. Tinha um dente de ouro para compensar. Vinha dela um perfume extravagante para aquela beira de cais cheirando a peixe. A boca pintada era cor de sangue como se houvesse sido mordida. Seus braços roliços estavam caídos ao longo do corpo. Maltratada pela vida, era ainda nova, nem parecia a mãe de Guma. No entanto há onze anos que ela estava na vida, conhecendo homens, dormindo com eles, apanhando de muitos.
(“Terras do Sem Fim”)

Guma fica muito impressionado com a visita da mãe. Entre os homens do cais, aprendera que um homem só será assim reconhecido após deitar-se com uma mulher. Ele sabe que mais dia menos dia, Francisco lhe trará sua eleita. Por isso, ao ver aquela mulher estranha em companhia do tio, julgou tratar-se de sua “iniciadora”. Para sua decepção, entretanto, fica sabendo tratar-se “apenas” de sua mãe. Mãe que ele jamais esperara e de quem jamais sentira falta. Quando sua mãe lhe pergunta se a está reconhecendo, a febre do desejo invade o frágil Guma.

Ele a conhece, sim. Há muito que ele a espera. Ele a procurou nas ruas de mulheres perdidas, na beira do cais, em todas as mulheres que olharam para ele. Agora a encontrou. Ela é sua mulher. Ele a conhece de há muito, desde que os desejos penetraram seus nervos, perturbaram seus sonhos.

(“Terras do Sem Fim”)

Assim como apareceu, sua mãe some no mundo, mas ele não a esquece. Guma teve que esperar ainda mais dois anos para ter sua iniciação sexual, sob o patrocínio do benevolente Francisco. Mas continua a ver a mãe nas outras mulheres, a buscar aquela estranha que só viera acender o seu desejo e não mais voltara. Em seus devaneios juvenis, Guma pedia a Iemanjá “uma mulher nova e virgem, quase tão bonita quanto ela mesma”. Esta era sua esperança de esquecer a imagem da mãe perdida, tentadora, que se entregava a todos menos a ele.

Se desde os onze anos Guma já conduz o saveiro “Valente” a pequenas distâncias, é somente aos dezoito que o assume sozinho, quando Francisco, após uma manobra imprudente, corrigida rapidamente por Guma, reconhece-se cansado para continuar na luta diária. Agora Guma era um homem completo, dono de seu próprio saveiro, sem ninguém por perto para “cuidar” dele. Pelo contrário, o velho tio agora dependia dele, de seu trabalho, que ele amava fazer como ninguém.

Ilustrações: capa da edição brasileira de 1973; capa da edição argentina de 1972.