Amigos do Fingidor

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Apresentando Machado de Assis

Zemaria Pinto


Machado de Assis é, de longe, o mais popular escritor brasileiro. E é também o mais vendido. Quantidade nem sempre guarda proporção com qualidade. Mas é esse o caso de Machado de Assis, que, a par disso tudo, é o mais importante escritor brasileiro de todos os tempos.

Os seus romances estão em catálogo permanente, e seus contos, quando não encontráveis conforme as edições originais, estão dispersos em inevitáveis coletâneas estudantis. Agora mesmo, a Editora Globo coloca em milhares de bancas a obra completa do bruxo do Cosme Velho, em 32 volumes semanais.

Machado, por Nássara - minimalista do traço.
De origem humilde e formação autodidata, Machado é um herói nacional, daqueles que devem ter dia comemorativo, com direito a feriado, gincana cultural, banda de música, discursos apologéticos etc. O Dia de Machado de Assis seria também o dia do orgulho nacional. Porque ninguém traduziu com tanta lucidez o comportamento do homem brasileiro. Ninguém pensou melhor o Brasil.

Ele morreu há 89 anos, mas ainda é muito jovem para que possa ser avaliado à luz da História. Sua importância para a nossa cultura daqui a 400 anos deverá ser ainda maior porque em seus livros as pequenas observações são, na verdade, apuradas reflexões sobre a humanidade.

Machado foi um minimalista, um artista do detalhe, que não produziu grandes painéis, como os românticos ou os realistas, mas pequenos e delicados afrescos das estruturas sociais e do comportamento de seu tempo, a transição da monarquia para a república.

Mas que interesse ele ainda desperta hoje? Bentinho, Rubião, Brás Cubas, Simão Bacamarte, o Conselheiro Aires são personagens que transitam entre o mítico e o histórico, inseridos na realidade de seu tempo, mas sem qualquer compromisso com ela, a não ser o de pensá-la com o sarcasmo próprio dos que fazem do riso uma arma letal. Porque o humor é o traço essencial do estilo machadiano, além dos caracteres urbanos e da linguagem autorreflexiva, que viria a ser, décadas depois de sua morte, traço fundamental do Modernismo.

Machado de Assis transitou com desenvoltura de gênio em todas as formas de expressão literária: escreveu poesia, crônica, ensaio e crítica, além de comédias para o teatro e traduções diversas. Mas ele realizou-se mesmo foi no conto e no romance. Inicialmente seduzido pelo Romantismo, Machado escapa das armadilhas do Realismo e constrói uma obra madura de classificação imprecisa, onde o fantástico e o mítico, tendo a história como pano de fundo, decompõem com precisão cirúrgica o universo pequeno-burguês do Rio de Janeiro do final do século.

O meu amigo ensaísta e romancista Antônio Paulo Graça diz que é preciso repetir o nome de Machado de Assis com o mesmo fervor com que os ingleses repetem o nome de Shakespeare: é preciso que a marca de Machado de Assis entranhe-se na memória, na pele, na alma de cada cidadão brasileiro.

Obs1: publicado no Amazonas em tempo, em algum dia de 1997.

Obs2: o meu amigo Paulo Graça já não diz mais nada, desde 08 de junho de 1998; em meio a tanta mediocridade, resta a saudade...