Jorge Tufic
Luís Augusto Cassas pertence a uma das mais recentes gerações de poetas maranhenses. Autor de quatro livros de poesia, “A República dos Becos”, “A Paixão segundo Alcântara”, “Rosebud” e “ O Retorno da Aura”, é deste último, no entanto, que iremos nos ocupar.
Para início de conversa, não se trata, aqui, de um livro comum. Elegendo uma temática espiritualista, que passa pela mandala e joga búzios com os mestres derwiches da Idade Média, nem por isso o autor deste livro abdica de sua natural coloquialidade ou senso de humor, atributos estes que dão às suas obras aquele traço característico do que veio para ficar. Deste modo e por extensão “O Retorno da Aura” veio para ficar. Ele é parte de um todo, sendo, ao mesmo tempo, a orquestra inteira e a pausa que deixa fluir o mistério da partitura.
Diria, talvez, com um certo pessimismo, que ele segue, por este exato motivo, a pouco gloriosa trajetória daqueles raros que nascem, respiram momentaneamente o oxigênio do noticiário, mas logo desaparecem das nossas livrarias. Ou seja, deixam de ser reeditados. Submetem-se, paradoxalmente, ao destino obscuro dos incontáveis milheiros de papéis impressos destinados ao paralelo da gula quantitativa, ao limbo implacável e, quando muito, ao sebo das curiosidades peripatéticas. Esse “confronto” se estabelece, frequentes vezes, ao depararmos com títulos que já fizeram nossa cabeça, mergulhados agora entre centenas daqueles outros, alguns deles considerados verdadeiros best sellers.
Quando afirmamos, entretanto, que “O Retorno da Aura” veio para ficar, não queríamos com isso e por mera comodidade repetir uma simples frase comumente utilizada nas orelhas de livros de poesia, quer pertençam estes à categoria dos singulares, quer venham unicamente com a função de impulsionar, pela quantidade, o aparecimento nunca espontâneo de obras primas realmente notáveis. Luís Augusto Cassas, antecipando-se, todavia, a uma possível arenga sobre temas polêmicos ou modos de enfrentá-los ao nível da linguagem, logo tratou de evitar que os primeiros dominassem os segundos, outorgando à Poesia, em última análise, o encargo sublime de pô-los em ordem sob o rígido esquema do mago e os recursos extremamente hábeis do poeta. Altos e baixos porventura encontrados não devem, assim, creditar-se ao fato de que a iniciação do filósofo ainda guarda uma certa distância da coloquialidade original do poeta. Essa distância é falsa ou aparente, posto que não deve ter sido fácil a recusa dos termos peculiares ao satori no entramado afetivo e essencial da metáfora, tão peculiar à natureza do poema.
Quem serve a quem, afinal de contas, nesse encontro estelar da verdade com a poesia? Acreditamos, isto sim, que a verdade ou a busca da verdade é que serve à poesia, como a luz do sol, projetando-se no satélite da Terra, refina e transcende os raios luminosos através do luar. Reprisando o óbvio, a linguagem indireta refina e transcende, da mesma forma, a espessura das vestes prosaicas inerentes à lógica e ao conhecimento racional. Neste aspecto, Luis Augusto Cassas, poeta dos becos de São Luis, navega com a bússola de Deus e o signo da iluminação poética.
O que diz ele e o que dizem dele, porém, seus críticos e prefaciadores? Para Francisco José Bittencourt Araujo, “o livro de LAC é uma chispa luminosa”. J. A. Rosa afirma que LAC, “ao expandir os limites de sua visão do mundo, expandiu infinitamente as possibilidades de sua poesia”. Explica, por sua vez, Luís Augusto Cassas, que a expressão “retorno da aura” contrapõe-se à idéia formulada por Karl Marx de “perda da aura”, no século passado. “A visão de Marx se apoiava na convicção de que o capitalismo tenderia a destruir a idéia do sagrado, do numinoso em nós – “Tudo que é sagrado é profanado”. Contudo, conforme observa Marshall Berman, Marx divisaria as virtudes da perda do halo em nossas cabeças, com o despertar da igualdade espiritual em todos os homens. Todos teriam igualdade. Os humildes herdariam a terra. Mas o autor deste livro reivindica, sobretudo, o retorno da aura sem o ranço dualístico da “construção do homem econômico”, materialista por excelência por qualquer ângulo ideológico que se apresente, porquanto “dissociado da antiga herança espiritual e, portanto, desprovido de cosmovisão solar.”
Estes, em suma, os princípios que alicerçam a “mensagem” do livro. Mas o que transmite, em realidade, o texto do poeta?
A obra é dividida em três partes: d’A ESTRADA DOURADA, BREVIÁRIO DO AZUL e o RETORNO DA AURA. Um extenso poema iniciático, em seis movimentos, surpreende o leitor ao sair da conexão sugerida pelo autor como um requisito de segurança a ser cumprido antes da viagem através do texto, propriamente dito. Ele diz: “meu coração (em êxtase) se enche de flores/ ao descobrir/ que a quem busco é quem me busca/ e ao som de uma floresta de flautas,/ dou-lhe as boas vindas/ dançando uma dança derwiche”. Ou: “Sou um executivo da alma:/ a pasta de couro carrega/ as 78 Lâminas do Livro de Thot/ fitas de meditação confissões de iluminados/ edições da Bíblia & Alcorão/ tratados de astrologia poemas de Rumi/ roteiro de locais energéticos/ o tapete de orações/ (por isso pendo/ para o lado). “Ou, ainda: “Converso com os demônios interiores/ até torná-los amigos/ e transmutá-los em amor”.
Poemas escritos na leveza do encanto disciplinado e feliz, prendem-se eles, contudo, ao discurso teórico e devocional, cujos objetivos serão plenamente atingidos na experiência doutrinária; mas o rastreamento do poético emerge, também, vitorioso, como naquela passagem misteriosa da luta entre Jacob e o anjo, a caminho das tendas enluaradas de suas origens tribais e na decisão final de um pacto secreto com a vida. Deste modo, o poeta exclama: “A Poesia imita a Vida?/ A Vida imita a Poesia? Enquanto os castos discutem a questão/ Exercito o meu Vênus em Escorpião/ retorno à alva cama da Poesia/ e escrevo com a tinta dos desesperados/ no dorso nu de todas as palavras:/ todo dia é dia/ dia de utopia”. Mestre na condução do verso e da palavra – fatos que se constatam, frequentemente, a partir do seu livro de estréia, Luis Augusto Cassas, em o “O Retorno da Aura”, fazendo valer a eficácia do poema composto de versos irregulares, com mais diástole do que sístole, dispensa maiores tentativas de análise. Ele deve ser lido e meditado. A transparência do poeta imita o gesto ritual daqueles seus legítimos parceiros do misterium ineffabile, o merecimento da tigela. Seus Koans batem magistralmente com a assertiva de Suzuki, segundo a qual, “mais do que na filosofia o Zen, naturalmente, encontra sua maior expressão na poesia, porque esta condiz melhor com o sentimento do que com o intelecto (“Introdução ao Zen-Budismo”, C. G. Suzuki, pag.141).
Há nele, portanto, muito mais do que se pode esperar de um livro que, aparentemente, pelos símbolos, títulos e carimbos de suas chacras, se vale da poesia como instrumento de seus protestos, sátiras e afirmações. Qualquer dualidade, entretanto, já por si contrária à essência do Zen e da própria poesia, reduz-se, com a leitura do volume, à estranha sensação de que fizemos, de fato, uma bela viagem em poucos minutos. E a unidade poética absorve, totalmente, os fragmentos da explosão inicial (ou iniciática), meditada, ali, a cada passo do homem, desde o seu primeiro nascimento físico ao toque mágico do satori, a consciência cósmica (ou poética) do encontro marcado.