Zemaria Pinto
O gênero
Tigre no Espelho constitui-se de doze narrativas curtas, classificáveis no
gênero conto.
O leitor pode achar
ociosa a pergunta, mas, afinal, o que é conto? Como ele se distingue, por
exemplo, do romance, da fábula ou da crônica? Bem, o espaço não é apropriado
para digressões teóricas comparativas, por isso, sejamos objetivos. Comparando
com o romance, que é formado por diversas tramas, digamos que o conto seja um
recorte, uma amostra, um pedaço do romance, com algumas características
peculiares: o conto, ordinariamente, mostra uma história, revelando um conflito
(nem sempre solucionado), passado em um determinado lugar, num lapso de tempo
restrito.
Traduzindo: o conto deve
ter unidade de ação, de espaço e de tempo. Acrescente-se a estas a unidade de
tom, observada na fluência da narrativa, que deve ser econômica e direta.
Outras características ainda podem ser apontadas no conto: linguagem concisa,
poucas personagens, predominância do diálogo sobre a narração.
Feitas essas observações,
propomos a leitura atenta de Tigre no
Espelho. Observe que o autor, Adrino Aragão, mantém-se fiel às regras
clássicas do conto, cuja origem, aliás, confunde-se com a própria origem da
humanidade: contar histórias é uma atividade lúdica que começa, com toda
certeza, antes mesmo do estabelecimento da linguagem escrita, através do que se
convencionou chamar de tradição oral. Algumas passagens da Bíblia, por exemplo,
especialmente no Velho Testamento, guardam essas qualidades.
Linguagem e Metalinguagem
Tigre no Espelho não se caracteriza pelo uso de uma linguagem invulgar. O
autor optou pela objetividade e pela simplicidade de expressão, sem que isso
lhe seja depreciativo. Repetimos: foi uma opção. Salta aos olhos, entretanto, o
uso recorrente da metalinguagem, que consiste em revelar ao leitor as entranhas
da própria obra, sua construção, seus elementos estruturais ou mesmo as
obsessões temáticas do autor. A metalinguagem literária mostra a literatura
desmistificando a si mesma. Observe, como exemplo, o seguinte fragmento,
extraído de “Anotações para um conto”:
Que diabo! Um escritor não pode ficar tanto tempo sem
escrever. Por mais que me esforce não consigo escrever nada. Nem um conto
sequer. O último trabalho como que me sugou totalmente. Decidi não ficar
esperando pela inspiração e tentei desenvolver algumas idéias mas não deu
certo. Só consigo escrever impulsionado por uma força interior me sufocando,
gritando para sair.
Ora, o narrador (não
confunda com o autor) está lamentando que não consegue escrever, entretanto, já
está escrevendo. O seu tema, podemos assim simplificar, é a própria falta de
ânimo para escrever.
Além do citado, há pelo menos
outros sete contos classificáveis como metalinguísticos: “Tigre no espelho”, “A
velha Remington”, “Aranha tece a teia”, “A barata”, “Meu contrato milionário”, “O
contador de histórias” e “Por que não matei Olga?”. Ao fazermos a análise
individual de cada narrativa, o leitor compreenderá melhor o uso da
metalinguagem como recurso literário.
Obs: publicado no livro Análise Literária das Obras do Vestibular 2000 (Manaus: EDUA, 1999).