Amigos do Fingidor

quinta-feira, 14 de março de 2013

Tigre no Espelho – Análise da obra 1/6


Zemaria Pinto

 

 

O gênero

Tigre no Espelho constitui-se de doze narrativas curtas, classificáveis no gênero conto 

O leitor pode achar ociosa a pergunta, mas, afinal, o que é conto? Como ele se distingue, por exemplo, do romance, da fábula ou da crônica? Bem, o espaço não é apropriado para digressões teóricas comparativas, por isso, sejamos objetivos. Comparando com o romance, que é formado por diversas tramas, digamos que o conto seja um recorte, uma amostra, um pedaço do romance, com algumas características peculiares: o conto, ordinariamente, mostra uma história, revelando um conflito (nem sempre solucionado), passado em um determinado lugar, num lapso de tempo restrito.  

Traduzindo: o conto deve ter unidade de ação, de espaço e de tempo. Acrescente-se a estas a unidade de tom, observada na fluência da narrativa, que deve ser econômica e direta. Outras características ainda podem ser apontadas no conto: linguagem concisa, poucas personagens, predominância do diálogo sobre a narração. 

Feitas essas observações, propomos a leitura atenta de Tigre no Espelho. Observe que o autor, Adrino Aragão, mantém-se fiel às regras clássicas do conto, cuja origem, aliás, confunde-se com a própria origem da humanidade: contar histórias é uma atividade lúdica que começa, com toda certeza, antes mesmo do estabelecimento da linguagem escrita, através do que se convencionou chamar de tradição oral. Algumas passagens da Bíblia, por exemplo, especialmente no Velho Testamento, guardam essas qualidades. 
 

Linguagem e Metalinguagem 

Tigre no Espelho não se caracteriza pelo uso de uma linguagem invulgar. O autor optou pela objetividade e pela simplicidade de expressão, sem que isso lhe seja depreciativo. Repetimos: foi uma opção. Salta aos olhos, entretanto, o uso recorrente da metalinguagem, que consiste em revelar ao leitor as entranhas da própria obra, sua construção, seus elementos estruturais ou mesmo as obsessões temáticas do autor. A metalinguagem literária mostra a literatura desmistificando a si mesma. Observe, como exemplo, o seguinte fragmento, extraído de “Anotações para um conto”:
 

Que diabo! Um escritor não pode ficar tanto tempo sem escrever. Por mais que me esforce não consigo escrever nada. Nem um conto sequer. O último trabalho como que me sugou totalmente. Decidi não ficar esperando pela inspiração e tentei desenvolver algumas idéias mas não deu certo. Só consigo escrever impulsionado por uma força interior me sufocando, gritando para sair.  
 

Ora, o narrador (não confunda com o autor) está lamentando que não consegue escrever, entretanto, já está escrevendo. O seu tema, podemos assim simplificar, é a própria falta de ânimo para escrever.  

Além do citado, há pelo menos outros sete contos classificáveis como metalinguísticos: “Tigre no espelho”, “A velha Remington”, “Aranha tece a teia”, “A barata”, “Meu contrato milionário”, “O contador de histórias” e “Por que não matei Olga?”. Ao fazermos a análise individual de cada narrativa, o leitor compreenderá melhor o uso da metalinguagem como recurso literário.
 
      Obs: publicado no livro Análise Literária das Obras do Vestibular 2000 (Manaus: EDUA, 1999).