Amigos do Fingidor

quinta-feira, 28 de março de 2013

Tigre no Espelho – Análise da obra 3/6

 
Zemaria Pinto
 
Os contos
 
 
Faremos a seguir breves comentários sobre cada um dos contos de Tigre no Espelho. Recomendamos que a leitura desses comentários, aliada a tudo o que já dissemos antes, seja sucedida pela leitura dos textos de Adrino Aragão, posto que não pretendemos, de forma alguma, esgotar o assunto. O leitor deve ter em mente que este resumo é apenas um facilitador, e que nada substitui a leitura do texto original.
 
Tigre no espelho – A narrativa que dá título ao livro mostra-nos o argentino Jorge Luis Borges (1899-1986), um dos escritores fundamentais deste século, especialista em literatura fantástica. Borges, acometido de cegueira desde os 55 anos, anda pela casa como se caminhasse por um labirinto. Na biblioteca, ele encontra-se consigo mesmo, envelhecido. Adrino Aragão serviu-se de dois contos de Borges para compor o seu. A esse processo, os especialistas chamam de “intertextualidade” ou cruzamentos de textos. O primeiro desses textos chama-se “O Outro” e tem rigorosamente o mesmo enredo, só que invertido: o velho Borges encontra-se com um Borges jovem e cheio de saúde e os dois entabulam uma conversa na qual não faltam humor e muita poesia. O segundo texto borgeano no qual Aragão se baseou é “Borges e Eu”, do qual transcrevemos a primeira frase:
 
Ao outro, a Borges, é a quem sucedem as coisas.
 
Compare com uma das falas do Borges envelhecido. É rigorosamente a mesma, não? Mas Adrino Aragão não é Jorge Luis Borges e a ótima idéia perde-se num emaranhado de citações, às vezes gratuitas. Se em Borges o encontro é verossimilhante, em Aragão assume foros de fantasmagoria, como a espera por De Quincey (escritor morto há 140 anos). Em Borges nada é facilitado. O fecho de “Borges e Eu” é exemplar:
 
Não sei qual dos dois escreve esta página.
 
O Borges de Aragão, infelizmente, saberia.  
 
A Velha Remington – Jovem e desconhecido escritor compra uma velha máquina de escrever, marca Remington, de um outro, consagrado, escritor de contos eróticos e transforma-se, ele também, num sucesso do gênero. Certa noite, os personagens sobre os quais escrevia, o velho careca e a mulher de calcinha, tornam-se reais. Pensando estar louco, ele tira um período de férias, mas, ao retornar, transforma-se em personagem do velho careca, que, por sua vez, vira escritor.
 
Este texto, cujo narrador é onisciente, está entrelaçado com outros do livro. Observe, leitor, que a mulher de calcinha é a Olga de “Por que não matei Olga?” e o jovem escritor erótico é o Avelar de “As tias”, que aqui “sonham com aventuras eróticas e orgasmos impossíveis.”
 
Uma leitura mais imediatista afirmaria que houve uma passagem de um estado de sanidade mental à loucura. Mas o leitor deve evitar essa solução fácil, afinal a literatura é uma recriação da realidade e não seu mero reflexo.
 
Você é testemunha, Ulisses – Escrito sob a forma de diálogo, porém com um interlocutor que não se manifesta (o gato Ulisses), este conto é uma reflexão sobre o ofício do escritor. Para manter acesa a chama, ele acredita que está sempre produzindo uma obra-prima. O escritor alimenta-se de esperança. A “conversa” com o gato é uma metáfora da condição solitária do escritor, um criador de mundos que tem na palavra o seu principal instrumento de trabalho, mas que, se não consegue atingir o público, fica a falar às paredes. Ou aos gatos.
 
Chamamos sua atenção para a semelhança com “O contador de histórias”, sobre o qual falaremos mais adiante. A situação é a mesma, apenas o enfoque é diferente: escritor apaixonado pelo seu ofício, jornalista desempregado, abandonado pela mulher.