Amigos do Fingidor

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Não podia ter deixado ele sair




                                                                    Mauri Mrq


Não esqueço aquele dia quando costumeiramente caminhava com uns amigos no Parque do Idoso e avistei aquela bela senhora, que de imediato me chamou a atenção pela vistosa maneira de se portar na atividade física que executava. Desde então, diariamente, a procurava com olhares na esperança de oportunizar um encontro para conhecê-la.

Em uma festa comemorativa nessa instituição que frequentávamos, à noite, um baile acontecia e como a interatividade é a tônica nestes eventos, a troca de casais quando dançávamos se dava de forma harmoniosa, foi quando provoquei nos revezamentos tomá-la como par e bailar ao som da música “Chão de estrelas”. Flutuava com ela em meus braços e seu perfume de rosas em tom suave, me fez sentir o que há muito não sentia desde que perdi minha esposa. Aproveitei o momento para perguntar-lhe seu nome e compassadamente disse: Amália. Em seguida foi compor um outro par e naquele enorme salão não a avistei novamente.

No dia seguinte, caminhando, lançava olhares nos ambientes procurando por Amália com seus cabelos pintados, mesclando o branco com um azul clarinho e não a via. Mas, na semana seguinte, lá estava Amália, tomando o café da manhã. Aproximei-me, dei-lhe bom dia e perguntei se podia sentar à mesa, me confirmando positivamente com a cabeça. Daí em diante nos tornamos amigos e, com o passar do tempo, namorados.

Sentia que Amália tinha resistência em aprofundar nossa intimidade como namorados. Viúva há três anos, mulher em toda a sua vida de um homem só, era compreensível o seu temor, mas procurava mantê-la satisfeita priorizando seus gostos, cultivando sua companhia que me agradava sobremaneira e percebendo que cada vez mais ficava à vontade comigo.

Numa sexta-feira fomos ao Teatro Amazonas e após a bela apresentação da Orquestra Sinfônica, convidei-a para jantar no restaurante giratório de um hotel indiano na avenida Getúlio Vargas, ficando maravilhada com a vista da cidade de Manaus que pôde contemplar em trezentos e sessenta graus. Um bom vinho, a troca de confidências e admiração mútua, permitiu-nos a nossa primeira noite de amor.

No dia seguinte, na costumeira caminhada no Parque do Idoso, não avistei Amália. Telefonei-lhe e vinha mensagem de número inexistente. Mais um dia, nada de Amália, fui a sua casa e sempre a encontrava fechada e ninguém atendia, ela morava sozinha.

Sucederam-se duas semanas e cadê Amália, comecei a perguntar por ela todas as manhãs e ninguém sabia informar, participava de atividades no Parque para me aproximar de algumas senhoras com quem fiz amizade, tentando obter notícias.

Um certo dia fazendo caminhada para me obrigar a não ceder a total angústia que começava a ser perceptível em meu semblante, uma senhora andando em cadeira de rodas me acenou, fui ao seu encontro, me perguntou se procurava por Amália, disse-lhe que sim, foi quando disse que Amália tinha ido embora de Manaus e não retornaria, perguntei-lhe o motivo, mas ela não sabia, quis saber se tinha algum telefone para encontrá-la onde quer que fosse. Conheço sua irmã, mora na Joaquim Nabuco, minha vizinha há anos. Vendo minha aflição, a senhora me forneceu o endereço e no dia seguinte fui ao encontro da irmã de Amália, saber do seu paradeiro.
  
Muito simpática, me recebeu com gentileza, e disse-lhe meu nome, Clodoaldo. Sei quem é o senhor, Amália falava muito a seu respeito e do relacionamento de vocês.  Pois é, estou desesperado com o sumiço de Amália, o que aconteceu?  Desista, seu Clodoaldo, Amália não quer mais lhe ver. Mas por quê? É melhor que o senhor não saiba. Insisti muito, e vendo minha aflição, resolveu me falar: Amália foi casada por quarenta e cinco anos tendo ficado viúva há três anos. A única pessoa que vi minha irmã dar importância após sua viuvez foi o senhor, mas, o senhor sabe, todos nós temos nossos problemas e Amália, assim como amava seu marido, aturava suas atitudes orgânicas. Como assim? Rodolfo, esse era o nome do falecido, era muito espontâneo com suas reações orgânicas que incomodavam e criaram um trauma em Amália. Continuo não entendendo nada... Rodolfo era flatulento, expelia gases, balançava a roseira com regularidade, achando normal tal atitude na presença de Amália, e Amália não gostava, mas aturava, fora isso, conviveu muito bem com seu marido não tendo filhos por Rodolfo ser infértil. Quer dizer que ele sabia peidar mas não fazia filho. Me desculpe, minha senhora, mas onde eu entro nessa estória pra ela não me querer mais, e o que tem a ver a flatulência do Rodolfo? Amália me contou que vocês tiveram uma noite de amor e depois que concluíram, o senhor soltou um “pum”, e logo em seguida se desculpou. Exatamente, foi um peido inconsciente, sem querer, eu não sou um velho flatulento e jamais peidaria na frente da Amália de propósito. Pois é, aí é que eu digo que todo mundo tem seus problemas, ela não quis arriscar se relacionando com o senhor, mesmo tendo sido educado após expelir o vento, se desculpando, mas este é o trauma de Amália. Mas eu não sou o Rodolfo. Eu sei, meu senhor, eu tentei convencê-la seria bom pra ela ter uma companhia na velhice, mas foi irredutível. Por favor, perdoe Amália! Não se preocupe, vou sobreviver, obrigado, e até um dia.

Essa não! Que coisa mais estapafúrdia me aconteceu, perdi Amália por soltar um peido.

Não podia ter deixado ele sair.